Melania Trump, a primeira-dama, que deixou a Casa Branca em 20 de janeiro, em quatro anos se valeu do figurino mais fashionista de todos os tempos entre Dior, Dolce & Gabbana, Hervé Pierre, Fendi, Valentino e os clássicos da casa como Ralph Lauren, Michael Kors, Victoria Beckham, Calvin Klein. A lista é interminável, do tipo dinheiro compra quase tudo. Mas não pode tudo.
Pelo menos três estilistas se recusaram a associar seus nomes e marcas à primeira-dama, logo após a vitória de Donaldo Trump em 2016. Entre eles, Marc Jacob, que fez uma declaração claríssima ao afirmar que não tinha interesse em vesti-la – “Pessoalmente, prefiro colocar a minha energia para ajudar as pessoas machucadas por Donald Trump e por seus seguidores”, disse o norte-americano no final de 2016, desfazendo qualquer possibilidade de criar uma peça para Melania.
Com Melania Trump, temos uma first lady com um guarda-roupa em que sobra ostentação. Mas será que tem autenticidade? Nessa série sobre o poder da imagem de três primeiras-damas, iniciada com Jacqueline Kennedy e Michelle Obama na sequência, além de Jill Biden, que chega em 20 e janeiro à Casa Branca, Melania surge como uma espécie de personagem, interpretada de acordo com a ocasião e seus humores.
Muitas vezes seu personagem sugeria ser uma extensão do marido presidente. Ou seria um disfarce para se esconder de si mesma? Em outras ocasiões parecia uma mistura de ostentação e frivolidade, com o poder do dinheiro gritando o valor de cada look – dos vestidos aos sapatos. E das joias. Suas escolhas de figurino pareceram, não poucas vezes, devidamente conectadas a um governo nada afeito à diversidade e empatia em relação a determinadas camadas do povo norte-americano, embora imigrantes, inclusive os latinos, somem 44,4 milhões de pessoas nos Estados Unidos.
A roupa e seu contexto de lugar, situação, momento
Entendo que o discurso não verbal, na forma do figurino, está sujeito a nuances e subjetividades. Porém, quando se trata da primeira-dama do país mais poderoso do mundo, a roupa ganha mais ainda o contexto do lugar, da situação, do momento em que está sendo usada. Grife, corte, tecido, cor e acessórios têm significados. Foi o que aconteceu quando usou um capacete, conhecido como Pith Helmet, de sua visita ao Quênia, em 2018. A associação com os colonizadores europeus, e a opressão aos povos africanos, passou uma mensagem de desumanização e insensibilidade.
Em socorro à Melania e sua escolha infeliz até se poderia dizer que ela não parece ser alguém com grande conhecimento histórico. Mas o argumento soa frágil para quem tem um séquito de assessores e repetiu o desacerto no Egito, logo depois. Uma estranha mistura do vilão de Indiana Jones com o figurino de Meryl Streep em Out of Africa (1985). Só que o filme se passa em 1913, auge do colonialismo britânico, e o traje da primeira-dama, com chapéu, paletó e gravata, à moda dos exploradores, foi no mínimo inapropriado.
Em agosto de 2020, na Convenção do Partido Republicano, ela surgiu com um vestido Alexander McQueen em estilo militar. Não à toa, comunicou autoritarismo e rigidez. Reconheço até que foi um contrassenso, já que fez uma das poucas falas humanizadas de seu ‘reinado’, digamos assim. Melanie se solidarizou com as vítimas da Covid, abordou racismo, exaltou a importância dos imigrantes. Não funcionou pela incompatibilidade entre discurso e imagem, e a impressão de encenação, no meu entender, prevaleceu.
Ao deixar a Casa Branca, em 20 de janeiro deste ano, e o status de primeira-dama, Melania Trump vestiu preto da cabeça aos pés. Casaqueto Chanel, vestido Dolce & Gabbana, sapatos Christian Loubotin, óculos escuros Bottega Veneta e bolsa Birkin da Hermès, que custa aproximadamente US$ 50 mil. Foi uma espécie de toque final dos seus quatro anos de aparições tão identificadas com o luxo e a moda, já que ela pouco falava em público, e pouco se sabe sobre sua persona real.
“Eu realmente não me importo, e você?”
Melania Trump trabalhou como modelo e deveria saber que imagem, comportamento e roupa passam mensagens. Ela ignorou isso quase o tempo todo, embora seu sonho de ‘ter o estilo Jackie’, como disse em 1999, possa ter influenciado no look azul que usou na cerimônia de posse. Ao contrário de suas antecessoras, ela pouco valorizou estilistas norte-americanos que não representassem o mainstream e o luxo da moda. A venezuelana Carolina Herrera faz parte de aclamados veteranos, mas tampouco as roupas que ela usou da estilista passaram uma mensagem de celebração e reconhecimento ao talento dos imigrantes da moda.
Qual o legado e a mensagem de Melania Trump com seu guarda-roupa? Fico com “I really don’t care, do u?”, inscrição da jaqueta usada por ela em 2018, ao embarcar para uma visita a abrigos no Texas, onde eram mantidas crianças imigrantes separadas dos pais, situação que chocou o mundo. A grande ironia é que a peça, da marca Zara, custava 39 dólares, o que parece ser uma raridade em seu closet.
PARA PONTUAR
- Rica e bonita, com um rosto idealizado pelos padrões ocidentais, Melania Trump deixa a Casa Branca longe do coração das americanas. O que ela comunicou ao mundo com suas roupas, jeito e estilo?
- Melania Trump não se importou ou não soube criar uma imagem autêntica para o mundo. Deve entrar para a história como uma primeira-dama de reconhecido bom gosto, mas muito mais um desfile de marcas de luxo. E em muitas ocasiões inapropriado
- Na cúpula do G7, Melania alcançou o que parecia o máximo em exibição de riqueza na roupa de uma primeira-dama com o casaco Dolce & Gabbana, de 55 mil dólares. Quem paga? Em tese o guarda-roupa deve ser bancado pela primeira-dama e as peças enviadas por marcas e estilistas vão para um acervo da Casa Branca. Não existe verba para o guarda-roupa. Mas o assunto é um tabu. Não só no governo Trump
- “Quero ser Jackie”: em 2017, Melania Trump adotou o azul da icônica first lady dos anos 1960 para a posse. Nada mais americano do que um modelo Ralph Lauren
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