Quase no final de Minha História (Cia das Letras, 2019) Michelle Obama se define como “uma pessoa comum que teve uma jornada extraordinária”. Seus oito anos na Casa Branca que o digam! Hoje, continuando os artigos sobre o poder da imagem e as primeiras-damas dos Estados Unidos, que iniciei com Jackie Kennedy, me entusiasma falar dessa mulher realmente extraordinária. Ela conseguiu, não sem percalços, dores e dilemas, como revela em sua biografia, fazer do guarda-roupa um poderoso e significativo mensageiro para dizer quem ela era do jeito mais autêntico possível. Não por acaso, tornou-se referência e inspiração para as afro-americanas, as mulheres migrantes e as mulheres brancas, que se identificaram com uma first lady engajada em projetos de educação e saúde, falando abertamente sobre racismo, diversidade, inclusão.

Quando deixou a Casa Branca, em janeiro de 2017, Michelle Obama era a mais popular e admirada primeira-dama dos Estados Unidos. Usou, em meu entedimento, muito bem e para o bem, o soft power, e rompeu com o perfil algo assistencialista e decorativo de first lady para se dedicar a projetos consistentes e propositivos na educação e na luta antirracismo, por exemplo. Para isso, a advogada investiu também fortemente em sua imagem, aparência, roupa, que dialogou com suas causas e programas.

Com ela, a moda ganhou novos significados e subtextos políticos, pouco explorados até então. Como primeira-dama, Michelle Obama sabia que suas roupas e acessórios estariam também no centro das atenções, tanto quanto seus programas educacionais, de direitos humanos, empoderamento feminino. Dominou essa forma de comunicação não verbal desde o início do mandado presidencial, embora não sem percalços, como já disse.

“Minhas escolhas foram uma maneira de usar meu relacionamento curioso com o olhar do público para impulsionar um conjunto diversificado de talentos promissores”

MICHELLE OBAMA

Em seus primeiros meses como primeira-dama, Michelle enfrentou críticas e muito preconceito por suas escolhas de roupa, imagem, estilo. Os olhos do mundo estavam voltados para a primeira mulher negra na Casa Branca e, poucos anos antes, era impensável que uma afro-americana ocupasse aquele espaço. Mas ela fez uma revolução, redefinindo conceitos e padrões do que era apropriado ou não uma first lady usar. Mostrou isso com o vestido laranja Narciso Rodriguez, de ascendência cubana, usado na noite das eleições em 2009. Um tubinho curto e sem mangas ao invés do clássico terninho branco, como seria esperado.

Michelle Obama: Dress code clássico com a graça do pink; no Japão de vestido amarelo Kenzo; de Narciso Rodriguez em sua primeira aparição oficial como first lady; de Carolina Herrera, discreto, porém caro demais para receber o papa Francisco; e em duas imagens do ensaio Vogue, ao se despedir em 2016 (Reproduções)

O ‘estilo Michelle Obama’ e os jovens nomes da moda

De lá pra cá, ela criou o ‘estilo Michelle Obama’, revelando-se uma mestra na declaração de indumentária. Afinal, o guarda-roupa de uma primeira-dama é vasculhado em buscas de pistas sobre quem ela é, quais os seus valores e como representará seu país no mundo. Um vestido, portanto, é uma ferramenta de comunicação que Michelle usou muito bem. Promoveu jovens estilistas, especialmente negros e imigrantes, entre eles Jason Wu, que nasceu em Taiwan, morou no Canadá, e fez de Nova York sua base de criação. Dos vestidos de festa à alfaiataria, as peças do taiwanês estavam entre suas preferidas em momentos marcantes, como o baile da reeleição em 2013 e no discurso de despedida de Barack Obama há quatro anos.

Michelle Obama valorizou estilistas consagrados e também quebrou a tradição de só prestigiar nomes nascidos nos Estados Unidos. Ao contrário, saiu da zona de segurança de marcas tipicamente norte-americanas como Ralph Lauren, Tory Burch, Mark Jacobs, Donna Karan ou Michael Kors, que também usava, incensando outros criadores, como Jason Wu, Carolina Herrera, Vera Wang, Oscar de La Renta, Isabel Toledo e Narciso Rodriguez, filho de imigrantes cubanos.

No alto, croqui do vestido Michelle Smith, da Milly, escolhido por Michelle para o retrato de Amy Sherald que está no Smithsonian Institute; vestidos de cintura marcada estão entre os favoritos, e na sequência looks de Zac Posen, Christian Siriano, Tracy Reese e Moschino (Reproduções)

A nova-iorquina Michelle Smith, da Milly, também teve sua marca incensada. A então primeira-dama escolheu um vestido dela, em 2018, para ser retratada por Amy Sherald no quadro incluído na Galeria Nacional de Retratos do Smithsonian Institute, em Washington. Depois disso, Smith tirou a peça de sua coleção, que passou a ser exclusiva de Michelle Obama.

“Elas vão olhar para cima e vão ver uma imagem de alguém que se parece com elas pendurada na parede desta grande instituição americana. Eu sei o impacto que isso terá na vida delas, porque eu fui uma dessas garotas”

MICHELLE OBAMA SOBRE SEU QUADRO NA GALERIA DO SMITHSONIAN INSTITUTE

Uma first-lady que reinventou o conceito de hi-lo

Não à toa, Michelle ganhou agradecimentos públicos de vários jovens estilistas quando deixou a Casa Branca. Entre eles, Joseph Altuzarra, Christian Siriano, Georgina Chapman e Keren Craig, da Marchesa, Monique Lhuillier, Prabal Gurung e Jenna Lyons, da J. Crew, marca de preço mais acessível, que ela ajudou a divulgar com muitas produções hi-lo.

O termo, que vem do inglês high-low, alto e baixo na tradução literal, combina looks como uma saia de grife + camiseta básica. Michelle Obama mostrou que uma primeira-dama pode se valer do hi-lo e fez isso em diversas ocasiões, misturando suéter da GAP e vestido de seda, ou vestido J. Crew com cinto Moschino. Seu estilo tornou datados alguns códigos sobre o que alguém na sua posição deveria vestir. Quebrou regras de cores, estampas, silhuetas. Seu figurino passava uma mensagem e uma identidade visual autênticas.

Com 1,80m de altura, Michelle Obama sempre criou impacto em seus looks festa: de Marchesa, by Alexander McQueen, sem alças Naeem Khan, o célebre vestido branco Jason Wu do baile da primeira posse, novamente de Jason Wu em vermelho, o dress poderoso Carolina Herrera, o vinho J.Mendel e o azul Peter Soronen, que ele tornou conhecido e reverenciado

Mais? Ninguém, como Michelle Obama, na posição de primeira-dama, mostrou que as mulheres podem falar de moda sem que isso seja um carimbo e um tabu. Ela mostrou que a moda faz parte do cotidiano, que o jeito como nos vestimos conta um pouco de nossa história.

Aos 57 anos de idade, a ex-first lady, após lançar seu livro, viajar pelo mundo divulgando a obra e participar da campanha de Joe Biden, vai estrear em 16 de março uma série infantil na Netflix. ‘Waffles + Mochi, produção dela em parceria com Barack, terá dez episódios, e pretende ensinar as crianças a terem uma alimentação saudável. E em julho do ano passado ela lançou o Podcast de Michelle Obama, uma colaboração entre Spotify e a Higher Ground, empresa do casal Obama. No programa, conversas com convidados e temas relacionados à saúde física e mental – um deles foi sobre menopausa.

PARA PONTUAR

  • A personal stylist Meredith Koop ajudou Michelle a definir seu guarda-roupa, que deveria ser ao gosto dela, confortável e autêntico
  • Michelle Obama criou seu próprio estilo e imagem. Nem por isso desprezou clássicos como pérolas, vestidos tubinhos e o dress code do tailleur em diversos eventos formais durante o dia
  • Só elogios ao dress code de Michelle Obama? Em 2015, no segundo mandado de Barack, o vestido azul Carolina Herrera que ela usou para recepcionar o papa Francisco, em visita oficial aos EUA, foi criticado pela imprensa. A controversia do modelo, bem simples em seu corte perfeito, estava no preço de US$ 2,3 mil, lembrando que o papa sempre deixou claro que era contrário a luxos em um mundo empobrecido. Tanto que optou por um carro popular para se locomover pelo país
  • Na manhã seguinte, ao encontrar Francisco nos jardins da Casa Branca, Michelle usou um vestido preto, com bordados em lã, de mangas longas. Considerado mais sóbrio e adequado, já que a marca sequer foi divulgada
  • A mistura de peças grifadas e itens acessíveis certamente foram uma inspiração para as norte-americanas
  • Assim como Jackie Kennedy, Michelle Obama soube usar a seu favor o olhar curioso e investigativo sobre sua imagem. E dominou a mensagem das roupas
  • Nas viagens, Michelle valorizou a diplomacia da moda, usando roupas de estilistas de cada país visitado. Uma lição de respeito aos anfitriões

JILL BIDEN VAI SER UMA INSPIRAÇÃO PARA MULHERES DA VIDA REAL

Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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