Finalizo a viagem sobre quatro primeiras-damas dos Estados Unidos e o poder da imagem, que ganhou gostinho de começo. Jill Biden, a nova first lady, possivelmente será uma inspiração para mulheres reais – que trabalham, têm sonhos, projetos, ambições, ideais. A professora e doutora em Educação não causará frissons no mundinho fashion com seu guarda-roupa, mas já mostrou elementos de seu estilo pessoal nos oito anos como segunda-dama e nos meses da campanha presidencial em 2020. Seu vestuário, certamente, passa pela diplomacia da moda – ciente de que o que ela usa traz mensagens. Uma delas é a de alguém moderna e acessível, que tem um estilo de vida que inclui a carreira, a família, as funções na Casa Branca.

Joe Biden e Kamala Harris tomaram posse em 20 de janeiro, um dia depois que escrevi este texto, que atualizei na sequência. Os olhares do mundo estavam na cerimônia em Washington. Uma festa com poucos convidados, por causa da pandemia, transmitida ao vivo, que teve Lady Gaga cantando o hino nacional dos Estados Unidos. O habitual baile foi cancelado, assim como o almoço em celebração ao novo governo, uma decisão que levou em conta a segurança das pessoas e o luto nacional pelas mais de 400 mil vítimas da pandemia.

O que a nova first lady vestiria na solenidade ficou em segredo até a manhã do dia 20. Sua roupa deveria traduzir, da escolha do estilista às cores, algumas das causas que irá defender na Casa Branca. Ou seja, o traje de Jill Biden em sua primeira aparição oficial já estava repleto de significados, mensagens e indicativos sobre o novo governo. Apostas para o look incluíam designers como Gabriela Hearst, especialmente comprometida com valores ambientais. E ainda Oscar de La Renta – marca com direção criativa de dois jovens estilistas, além de Christian Siriano, Tory Burch, Prabal Gurung e Brandon Maxwell.

A primeira-dama surgiu na cerimônia com o look criado por um nome supresa: Alexandra O’Neill (Markarian), outra jovem designer norte-americana, que não aparecia na lista dos prováveis estilistas para o look da posse. Um azul esverdeado, que remete à confiança e estabilidade, composto por casaco com golas e punhos em veludo sob vestido no mesmo tom com corpete em chiffon.

Azul esverdeado e roxo sufragista: Jill Biden com o marido Joe Biden, 46º presidente dos EUA, e a vice-presidente Kamala Harris com o marido na manhã da posse (Reprodução)

A vice-presidente Kamala Harris, primeira mulher a ocupar o cargo, negra, filha de imigrantes, ex-senadora, ex-procuradora-geral de São Francisco, manteve a cartela sufragista em um casaco roxo profundo de Christopher John Rogers, que ela usou com o vestido também violeta de Sergio Hudson. Escolheu dois estilistas jovens, negros e igualmente talentosos, assim como o porto-riquenho Wilfredo Rosado, que assinou seu colar de pérolas. Kamala tem escolhido cada vez mais peças de afro-americanos e imigrantes.

No dia da posse, quando as roupas das mulheres deram o tom e as sinalizações de um dia considerado histórico, entendo que além das representativas escolhas do azul e do roxo, Jill Biden e Kamala Harris, ao escolherem jovens estilistas para seus looks, reafirmaram a mensagem de diversidade étnica, da valorização da mulher, dos negros e dos imigrantes, que parece tão cara ao novo governo. Ao prestigiar talentos emergentes da moda norte-americana e suas criações de cortes perfeito, indicaram ainda que a temporada de ostentação no figurino deve mesmo ficar para trás.

Jill Biden de azul na posse presidencial, e o croqui da roupa da primeira-dama; casaco roxo de Jonathan Cohen,peça que ela combina muitas vezes com botas; de floral Dolce & Gabbana no segundo debate presidencial; a graça do dress code verde água e de longo vermelho Reem Acra (Reproduções)

Bom gosto, sem excessos fashionistas, deve ser a ‘marca Jill’

Durante a campanha em 2020, Jill se licenciou para apoiar o marido, que concorria pela terceira vez ao cargo. Mesmo em um ano atípico de pandemia, de poucas viagens e contatos à distância com os eleitores pelos vários estados norte-americanos, foi uma voz ativa e eloquente também em defesa do voto, participando, de acordo com analistas políticos, de todas as decisões envolvendo as agendas de governo de Joe Biden, inclusive o convite para Kamala Harris disputar a vice-presidência. E logo suas roupas, gestos, comportamento, e também suas declarações, entraram no radar público. Ao pesquisar suas imagens, verifiquei que Jill Biden vai além do clássico, embora não dispense os tailleurs em ocasiões mais solenes.

Penso que sua habilidade na escolha das roupas está ligada também aos muitos anos de dupla jornada como professora, segunda-dama, esposa de um senador. Peças práticas com as quais se sai bem em diversos ambientes e certo gosto por salto alto, mas que usa com parcimônia, prezando o conforto e a mobilidade. Nos dois debates presidenciais, seus vestidos (o verde floresta Gabriela Hearst e o floral Dolce & Gabbana) foram esmiuçados, da marca ao modelo, e muita gente se espantou que não fossem inéditos. Indicações de que o bom gosto sem excessos fashionistas pode se tornar uma marca Jill, digamos assim.

Nos oito anos como ‘segunda-dama’, ela acompanhou o então vice-presidente em várias viagens internacionais e conciliou essas atividades com a carreira de professora em uma universidade comunitária. Nessas andanças por vários países, mostrou que além de seguir a diplomacia da moda, como a first lady Michelle Obama, Jill Biden dosava muito bem peças clássicas do dress code, com seu gosto pessoal, expresso nos belos casacos, acompanhados por botas na altura dos joelhos. Mais do que isso, ela exalava simpatia e empatia no rosto sorridente e na cortesia dos acenos.

Jill Biden usa bota Stuart Weitzman, mensagem declaração de voto; de vermelho e nada previsível; o vestido verde Gabriela Hearst; dress code branco e pérolas; de Oscar de La Renta e o belo floral que usou em Boca Raton (Reproduções)

Ícone da moda? Não! Mas a nova first lady vai inspirar as mulheres 50+

Acho que em suas escolhas de guarda-roupa, Jill Biden passará longe de glamour e de ostentação, como ela mostrou nos anos como ‘segunda-dama’. Seus looks devem ser uma mistura do dress code convencional, feito de tailleurs e tubinhos, com peças versáteis, alguns momentos grife. Ou seja, o mix corporativo e preppy, lembrando que Jill é professora, tem uma rotina de aulas na universidade e usa looks que a identificam com a rotina do campus.

Não à toa, hoje poucas peças usadas pela atual primeira-dama trazem informações de marca e estilista. Seu figurino deve comunicar elegância e simplicidade com roupas que falem aos americanos, já tão castigados pela pandemia, evocando um novo tempo de solidariedade, respeito, esperança. Certamente ela tem domínio sobre sua imagem, entende a força da mensagem e o poder de comunicação de seu guarda-roupa.

“Se chegarmos à Casa Branca, eu vou continuar a ensinar. Eu quero que as pessoas valorizem os professores e saibam da sua contribuição e que isso eleve a profissão”

JILL BIDEN NA CAMPANHA PRESIDENCIAL, 2020

A nova primeira-dama dos EUA usa muito bem as cores, escolhe algumas estampas impactantes, como o floral Dolce & Gabbana que usou no segundo debate presidencial em 2020. Ela parece sempre confortável nas peças que usa. Ícone da moda? Não, não, não. Jill, 69 anos, doutora em Educação, vai, isso sim, inspirar as mulheres, começando pelas mais velhas.

Vejo algumas possibilidades de que ela também mostre que estilo independe de idade e, assim como Michelle Obama, escolha muitas criações de jovens estilistas. Os casacos e vestidos vermelhos, que ela usa com botas ou escarpins, mostram isso muito bem, assim como alguns looks recentes e dos últimos anos, que vêm de estilistas como Christian Siriano, Narciso Rodriguez, Brandon Maxwell, Reem Acra, Gabriela Hearst.

No mais, a nova primeira-dama deve manter sua agenda pela valorização dos professores, das universidades comunitárias, o apoio às pesquisas de câncer – seu enteado Beau, que morreu em 2015, tinha um tumor cerebral. Vale lembrar que Jill Biden entra em cena como uma espécie de antítese de Melania Trump, que começa em sua determinação de continuar o trabalho na educação e segue até sua relação mais tranquila e centrada com moda e roupa, sem ignorar a importância de seu figurino na imagem do governo.

PARA PONTUAR

  • A Casa Branca não é um território novo para Jill Biden, ‘segunda-dama’ por oito anos. e veterana na política com o casamento de mais de quarenta anos com Joe Biden. Ela tem consciência de seu papel e expressa isso nas suas escolhas de roupa. O verde do vestido da estilista Gabriela Hearst fala de diversidade e sustentabilidade no primeiro debate presidência
  • Em 19 de janeiro, véspera da posse, ela participou com o presidente eleito de uma emocionante homenagem às 400 mil vítimas da Covid no Lincoln Memorial usando um casaco roxo, máscara combinando, assinado por Jonathan Cohen. O estilista é filho de imigrantes mexicanos, cresceu em San Diego, e sua marca, lançada em 2011, é de Nova York.
  • Foi a primeira aparição oficial de Jill Biden como primeira-dama, e especialmente marcante a escolha de sua roupa. Choen optou pelo upcycling, a reutilização criativa de materiais, em suas últimas coleções, e há dois anos lançou uma cápsula batizada The Studio, toda composta com sobras de tecidos e aviamentos. Mensagem inequívoca em prol da sustentabilidade, que faz parte da plataforma do novo governo.
  • Jill Biden, na campanha e antes dela, conseguiu criar uma relação entre conforto e elegância com seu guarda-roupa. Quando usa uma peça de grife, ela se encaixa ao seu jeito, sem gritar como se fosse uma declaração fashionista
  • No lançamento da campanha democrática, Jill discursou na sala da universidade comunitária em que dá aula. Escolheu um vestido de Brandon Maxwell, premiado e jovem estilista texano, gay, que produziu máscaras e luvas para apoiar trabalhadores da saúde
  • Jill escolheu Oscar de La Renta na primeira aparição pública como futura primeira-dama. O estilista, que morreu em 2014, construiu sua marca nos EUA, tem uma história americana. O look simbolizou uma mensagem pacificadora e pela diversidade étnica, já que os atuais diretores criativos são Laura Kim e Fernando Garcia, dois jovens e talentosos estilistas
  • As botas de cano alto usadas por Jill Biden, criação de Stuart Weitzman, deixou fashionistas entusiasmados. O modelo teve o papel de ‘imagem declaração’ na campanha, incentivando o voto, que não é obrigatório nos EUA. Uma mensagem que irradiou positividade usando a moda
  • Professora e primeira-dama, Jill biden vai transitar entre os dois mundos. Suas escolhas de imagem, sua aparência, sua roupa e comportamento terão de criar uma conexão autêntica entre eles. Seu figurino vai mostrar como a América se vê
  • Tons intensos de azul e vermelho costumam ser os preferidos de Jill Biden para noites de festa. A nova primeira-dama dos EUA sempre parece à vontade nessas ocasiões, com vestidos em que cor e corte são os elementos de efeito

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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