O look escolhido por Janja para a primeira parte da posse do presidente Lula, em 01/janeiro, deu o que falar. E o que pensar!

Para a estreia como primeira-dama, a socióloga inovou o código de vestuário da solenidade com blazer acinturado e basque + pantalona, assinados por Helô Rocha.

Com essa escolha, Janja passou um recado simbólico: não pretende ser uma figura decorativa.

Até mesmo ser chamada de primeira-dama não é do agrado da socióloga, como revelou em entrevista à Vogue, que publica neste mês de janeiro uma longa entrevista com Janja nas edição digital e na edição impressa.

A calça comprida e o cabelo preso funcionam como referências de uma mulher que tem ideias próprias, não pretende ser uma espécie de rosa na lapela do marido.

Pelo visto, a diplomacia da roupa vai ser uma marca da primeira-dama.

  • O terninho parece que continua conectado à luta feminina pelo protagonismo na vida pública e na carreira profissional.
  • Basta a gente lembrar de Kamala Harris, que usou um modelo branco, em 2019, quando fez seu primeiro discurso como vice-presidente eleita dos EUA.

Vestir-se é um ato político

“As roupas não falam, mas comunicam uma série de referências” – essa observação de João Braga, professor e especialista em História da Moda, é um lembrete de que nossas escolhas de vestuário são uma forma de comunicação.

Por isso, gostando ou não do look, a roupa de Janja deve ser vista além da estética, já que o conjunto traz mensagens e representações.

Apesar da denominação como terninho, o look é bem feminino, o que dá um sentido de celebração à roupa.

Segundo Edson Rocha, responsável pela modelagem e costura das peças, de início Janja um blazer oversized. Mas não se sentiu à vontade com esse tipo de paletó, e quis que ficasse mais feminino.

Daí vieram o acinturamento, o basque, também conhecido como peplun – babado em godê, que começa na altura da cintura e vai até a altura do quadril.

  • A pantalona é bem fluida, enquanto o blazer tem formas e linhas arredondadas.
  • As três peças em crepe de seda vintage foram tingidas naturalmente com caju e ruibarbo – uma planta medicinal.

Blazer e o colete têm bordados em fios de palha, uma arte das bordadeiras de Timbaúba (Rio Grande do Norte).

Depois da posse, Janja fez um agradecimento às bordadeiras do nordeste e aos artesãos de Dianópolis (TO) e de Novo Gama (GO).

Ela explicou que os artesãos dessas duas comunidades fizeram as peças em capim dourado e capim colonhão, que complementam os bordados.

Ou seja, um look que inova além da calça comprida e do casaco:

  • Valoriza a cultura nacional dando protagonismo à cooperativa das bordadeiras e artesãos.
  • Usa processos menos poluentes com o tingimento natural do tecido.
  • Mostra, também, que Janja quer levar em sua bagagem nas viagens internacionais, que deve fazer ao lado do presidente, o nome de estilistas brasileiros independentes.

Vestido lilás-azulado, seda brasileira

O vestido lilás-azulado, segundo look da festa, que Janja usou à noite no palácio do Itamaraty, segue o pilar da sustentabilidade, valoriza o feito à mão, e traz a assinatura de duas designers brasileiras.

O modelo, fluido e leve, feito em seda 100% nacional, é uma criação de Rafaella Caniello, da Neriage, uma artista do plissado. A estilista Helô Rocha colaborou na confecção da peça, trabalhando as belas mangas retorcidas da capa, na mesma tonalidade e tecido.

O tom lilás-azulado, além de ficar muito bem em Janja, foi inspirado no roxo das sufragistas. A cor, associada à luta das feministas e a conquista do voto. Vale lembrar que em 2020, na cerimônia de posse de Joe Biden, a vica-presidente Kamara Harris, e Jill Biden, usaram looks em violeta.

  • Na solenidade, que começou às 14h30, debaixo de muito sol, Janja optou por rabo de cavalo, destacando o brinco Pitanga, de Flavia Madeira.
  • Na festa à noite, de cabelos soltos, Janja usou outro par de brincos da designer, agora em prata banhada a ouro e pedras como lápis-lazúli e ágata verde.

Os dois looks da posse confirmam o que Janja já vinha sinalizado: ela pretende prestigiar e divulgar marcas e estilistas brasileiros.

E com foco em designers que trabalham uma moda sustentável, que tem uma cadeia de produção socialmente justa.

Janja de camisa e blazer Misci na diplomação de Lula; camisa de seda pintada à mão Misci; saia mídi vermelha Neriage (Portugal), vestido de casamento Helô Rocha

Marcas nacionais independentes no guarda-roupa de Janja

Três marcas, além da estilista Helo Rocha, já aparecem como preferidas de Janja. A Misci (Airon Martin), a Neriage (de Rafaella Caniello e Laura Cerqueira Leite) e Ana de Jour (de Ana Paula Figueiredo) – ela escolheu um vestido da designer para a festa de Natal em família.

Talvez o caminho de Janja em seu diálogo com a moda seja um pouco como o de Michelle Obama.
A ex-primeira-dama dos EUA, que rompeu com o falso dilema de que gostar de moda torna as mulheres menos cerebrais e mais fúteis, alavancou a carreira de diversos estilistas.

  • Janja está mostrando que gosta de moda, que o que ela vestir vai passar mensagens.
  • O que pode deixar um lastro que dará mais visibilidade à moda nacional contemporânea e autoral.
  • Como disse a própria Janja, a moda tem uma importância enorme na economia. Faz a roda girar, gera empregos.
A Vogue de janeiro traz uma entrevista com Janja. Para o ensaio de moda, ela pediu à revista que selecionasse somente marcas nacionais, comandadas por mulheres

“Estou conhecendo mais sobre esse assunto. Tenho conversado com estilistas, aprendido bastante. Quero carregar os estilistas brasileiros aonde for. Mostrar para o mundo, abrir portas de comércio, de oportunidades. Se puder contribuir, vou ajudar” (Janja, Vogue)

“Queria vestir algo que tivesse simbolismo para o Brasil, para os estilistas, para as cooperativas e para as mulheres brasileiras” (Janja, na Vogue)

“A pessoa tem que se vestir como se sente bem. E saber como e para o que está vestida. Obviamente que não vou de jeans e tênis em uma recepção com presidentes” (Janja, na Vogue)

“A relação com a moda pode ser mais desapegada de protocolos. Não é porque você é deputada que precisa estar de terninho e saia” (Janja, na Vogue)

Será que a Janja do jeans, tênis e camiseta vai sumir de vista?

Estilo pessoal muda junto com a gente. A Janja dos looks informais deve passar por uma transformação no seu vestir.

Isso não significa deixar de lado os tênis, que ela já declarou ser seu calçado favorito.

A palavra-chave é dosar o gosto pessoal com uma agenda de compromissos, aqui e no exterior, em que sua roupa, calçados e acessórios terão leituras e significados para o público.

“Uso tênis com calça, saia, shorts. Outro dia, cheguei ao CCBB para uma reunião e estavam todas as secretárias de salto alto. Levantei o pé, mostrei o tênis e disse: está instaurada a democracia do tênis” (Janja, Vogue)

Sua identidade visual, assim como suas roupas, atitudes, declarações serão avaliados, interpretados, decodificados.

Ter uma imagem autêntica, de acordo com seu novo momento de vida, passa por mudanças no guarda-roupa.

Aos 56 anos, espero que ela seja uma inspiração para nós, mulheres.

Muitas de nós ainda se sentem intimidadas para usar determinadas roupas por causa da idade e do corpo, por exemplo.

Nas centenas de comentários que li sobre os looks de Janja, algumas pessoas desaprovaram o ‘terninho’, alegando que a primeira-dama não era magra o bastante para aquele tipo de roupa.

  • Já perdi a conta de clientes da consultoria de imagem com esses dilemas.
  • Não é fácil ajudar uma cliente refém de tantas convenções sobre o vestir e estilo pessoal.
  • Por isso, proponho que a gente faça juntas esse caminho, no tempo dela.

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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