Colorir ou não as unhas? Por mais que parece inusitada foi essa a primeira pergunta que respondi em uma entrevista para a Elle no final do ano passado. Na época da reportagem, os salões em quase todo o Brasil já estavam reabertos e a proposta foi mostrar se a pandemia, que nos obrigou a tantas mudanças e alterou nossos hábitos também em relação aos cuidados de beleza, se tornou um ponto de inflexão no quesito pintar as unhas. Temos uma cultura do esmalte muito forte, que perpassa gerações, e ainda parecia essencial. Isso, antes do coronavírus, porque nada mais continua ou será como antes, a gente querendo ou não.

Segundo a revista, o fechamento dos salões por vários meses em 2020 provocou, inicialmente, uma espécie de pânico entre as mulheres na primeira fase da pandemia. Mas o que tenho observado, e a reportagem mostra também, é que muita gente gostou da experiência, trocando as unhas coloridas semanalmente pela ‘naked nails’, unhas nuas na tradução literal. Afinal, porque estar com as unhas feitas é um hábito tão introjetado entre nós, brasileiras? Você já se perguntou sobre isso?

Aqui, a cultura do esmalte, que é muito forte, muito brasileira, começa quase na infância. Volto à minha adolescência, quando esmaltar as unhas a partir dos 13, 14 anos, era como um rito de passagem, marcando o início da fase adulta. Na minha época de menina, o acesso ao esmalte era mais rigoroso – na minha casa, por exemplo era quase proibido colorir as unhas até chegar aos treze.

Existia esse simbolismo, quase um ritual, da representação do esmalte como mensagem de que agora você está no caminho para se tornar uma mulher. É como se nos colocasse no registro do ser mulher, do feminino. Embora saibamos que o feminino está muito além de vestidos e esmaltes, essas buscas de confirmação permanecem na vida adulta, às vezes de forma enlouquecida, o que gera muitas vezes sofrimento e angústia, distúrbios de autoimagem, busca de ideais de beleza inalcançáveis. Mas isso depende da história de cada pessoa.

O que quer uma mulher? O que é ser uma mulher?

Para a psicanálise, a pergunta o que quer uma mulher, o que é ser uma mulher, tão recorrente, faz parte do imaginário e do psiquismo das mulheres em todas as faixas etárias. Não é uma pergunta fácil, às vezes passamos a vida inteira tentando respondê-la, porque está diretamente ligada ao desejo inconsciente. O desejo não tem um objeto, mas o interpretamos como se tivesse. Por isso, arrumamos tantos artifícios ligados à aparência como esmaltes, moda, roupas.

Vejo ainda esse costume, tão enraizado entre nós, brasileiras, como uma herança do patriarcado, mais uma maneira de aprisionar as mulheres aos padrões impostos pela indústria da beleza, que continua ditando que é necessário usar esmalte, batom e todo o arsenal de make para nos diferenciar e valorizar socialmente.

Interessante observar um contraponto, já que existe também as mulheres que pouco se importam com o ritual do esmalte. Ou porque a mãe, igualmente, nunca se importou com isso, não aparecendo como uma prática valorizada na família. Tem também o efeito inverso. Ou seja, filhas de mães muito vaidosas, que querem se tornar a antítese delas, e não colorir as unhas faz parte desse distanciamento.

“O esmalte é uma poderosa ferramenta de comunicação, como a roupa. Como se fosse um acessório de moda. É uma questão de escolha, dá para prescindir do esmalte como ferramenta de comunicação e moda. Como? Um anel bacana, por exemplo”

Hoje considero o esmalte muito como um acessório. O que antes era apenas uma finalização da manicure, tornou-se uma forma de comunicação. Assim como a roupa, uma mulher com as unhas esmaltadas ainda se destaca socialmente, e considerando imagem e estilo pessoal, vai passar mais credibilidade no ambiente de trabalho. Isso é tão forte que a unha sem cor, por mais bem cuidada que seja, continua não sendo valorizada como a esmaltada. Quem gosta muito de esmalte, e tem pouco dinheiro para uma manicure, aprende a cuidar e colorir as unhas. E temos esmaltes de todos os preços, o que o torna acessível para a maioria das mulheres.

A escolha das cores, e até de colorir ou não as unhas, de escolher tons escuros, fortes ou delicados se relaciona com o estilo, mas também com o momento de vida de cada pessoa. Tanto os aspectos práticos e cotidianos, como lavar louça e limpar a casa durante a pandemia, quanto o medo de ir ao salão, mesmo com a reabertura deles.

A temporada de distanciamento social e home office também causou questionamentos sobre a própria imagem e aparência. O que levou muitas mulheres, depois de meses longe da rotina de cuidados nos salões, a viver a vida, e se sentirem muito bem assim, sem as unhas pintadas. Mas a mudança mais evidente foi nos cabelos. Mulheres cada vez mais declaram o quanto se sentem mais bonitas com os fios brancos. Assim como estão sendo desconstruídos os padrões de fios lisos, dando lugar aos cachos, aposentando pranchas e escovas.

Uma semana sem esmalte já não ‘enlouquece’ ninguém

Observo hoje mulheres que estão loucas para voltar a fazer as unhas na manicure, ou que até já retornaram. E muitas outras que renunciaram ao esmalte na pandemia e resolveram não esmaltar mais as unhas. Ou seja, temos pessoas que estão questionando mais alguns de seus antigos hábitos, como pintar as unhas, o cabelo, e até pensando no planeta e nos impactos ambientais de suas escolhas, revendo que tipo de produtos e marcas que consomem.

Algumas mulheres não querem mais pintar as unhas, querem uma imagem com menos artifícios, começando pelas unhas sem esmalte. Tem mulher que precisa do esmalte, gosta, se reconhece. Não acredito em imposições, do tipo moderno agora é não pintar as unhas, ou sem esmalte sua imagem vale menos.

Temos também pessoas que só querem voltar ao dito normal, sem qualquer alteração ou mudança. Mas é certo que o desconforto que muitas mulheres sentiam, quando ficavam mais de uma semana sem colorir as unhas no salão, pode ter diminuído com a pandemia. Quero dizer que já não enlouquecem por passar alguns dias sem esmalte, o que também é positivo.

“No Brasil ainda é pouco relevante a toxidade do esmalte, a degradação ambiental, a saúde das unhas. Hoje algumas marcas produzem esmaltes orgânicos ou veganos, sem plastificantes, resinas, formol, cânfora. Só que são produtos caros e pouco acessíveis”

A pandemia trouxe ainda para nós possibilidade de libertação de alguns padrões. O que cada mulher vai fazer com essa possibilidade é muito pessoal. Na minha consultoria de imagem sempre trabalhei pela quebra de padrões de imagem e de estética, colocando minha cliente como catalisadora do processo de sua identidade visual. Então essas quebras estão postas: romper com estereótipos de corpo, rosto, cabelo, permissões do que pode ou não pode de acordo com a idade da mulher, por exemplo.

Os questionamento e contestações de modelos estéticos começou antes da pandemia. Basta ver nas redes sociais como o tema da diversidade e da ‘imperfeição’ da beleza são hoje, ainda bem, debatidos. As redes, que tanto exploram os tais padrões, estão servindo também para romper com eles. De um modo geral, o nosso olhar ainda é viciado por essa cultura e modelo europeu de beleza. Me entusiasma ver que o mundo, mesmo que aos poucos, começa a mudar. Se as mulheres questionam padrões inalcançáveis de beleza, as marcas são obrigadas a se reposicionar.

Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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