Na consultoria de imagem lidamos o tempo todo com padrões estéticos, de beleza, de comportamento, do que vestir, de permissões de acordo com a idade e o corpo da cliente. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, data emblemática, marcada por reflexões, conquistas e lutas envolvendo as condições femininas no mundo, devemos também nos questionar sobre nossas práticas e processos de trabalho. Como estamos inseridas na dinâmica cultural em prol da diversidade? Estamos ajudando a romper paradigmas e estereótipos? Estamos pensando fora da caixinha? Será que precisamos mesmo de tantas caixinhas e rótulos?
Bem-vindo todos ao espírito dos tempos! Não por acaso, hoje temos também consultoras de imagem mais velhas, negras, plus size. Profissionais que convivem, trocam, compartilham suas experiências e ajudam a renovar o repertório, o alcance e as possibilidades da consultoria de imagem. Se falamos sobre o Dia Internacional da Mulher, precisamos falar também de sororidade. Vale lembrar que esse substantivo feminino, conceito essencial na luta por equidade de gênero, só foi incluído em dicionários como o Houaiss há menos de quatro anos.
Sororidade, que vem do latim ‘soror’, traz o conceito de irmandade, solidariedade, união, empatia entre as mulheres. No últimos dez anos, segundo o Google, as buscas sobre o termo aumentaram mais de 418 vezes no buscador. Apesar disso, esse substantivo feminino ainda provoca um certo estranhamento e até incompreensão sobre seu significado. Por isso mesmo, escolhi essa palavra para falar do 8 de março – Dia Internacional da Mulher.
Um substantivo que precisa ser descomplicado. E circular mais cotidianamente pela importância, também na consultoria de imagem, de um olhar mais coletivo e inclusivo para a diversidade feminina. Cada uma de nós tem realidades, histórias e experiências de vida diferentes. Que não devem ser desdenhadas, ignoradas ou inviabilizadas – mulheres brancas, ocidentais, orientais, negras, indígenas, trans, magras, gordas, jovens, maduras, velhas. Somos muitas e tão diversas!
Para onde vamos? Nossas possibilidades e caminhos
Iniciei meu trabalho na consultoria de imagem há pouco mais de quatro anos. Me reinventei aos 50 em duas transições de carreira. A primeira quando fechei meu consultório de psicanálise, após 20 anos de prática clínica, e lancei uma marca de roupa. A segunda, quando me decidi pela profissão atual. Desde o início coloquei a diversidade, o questionamento de padrões de imagem, da idealização dos modelos de beleza, dos estereótipos de raça, idade e corpos em minha consultoria.
Não sou uma teórica ou pesquisadora do feminismo ou estudos de gênero. Mas levei para a consultoria de imagem minha experiência sobre o comportamento humano, que vem da psicanálise. Cada consultora de imagem tem sua bagagem profissional e de vida, e embora não tenha dados disponíveis, vejo que muitos profissionais de experiências anteriores em outras áreas. Assim como tudo indica que mulheres são maioria entre nós.
O que quer uma mulher? O que é ser uma mulher? Você já se fez essa pergunta? Para a psicanálise, essa questão, tão recorrente, faz parte do imaginário e do psiquismo das mulheres em todas as idades. Não é uma indagação fácil. Às vezes passamos a vida inteira tentando respondê-la, porque está diretamente ligada ao desejo inconsciente. O desejo não tem um objeto, mas o interpretamos como se tivesse. Por isso, arrumamos tantos artifícios ligados à aparência como esmaltes, moda, roupas.
Essa reflexão está em um texto aqui do blog, escrito depois de uma entrevista que dei à revista Elle, falando sobre esmaltar unhas, costume tão enraizado entre nós, brasileiras. Hábito que é uma herança do patriarcado, que vejo como mais uma maneira de aprisionar as mulheres aos padrões impostos pela indústria da beleza. Indústria que continua ditando que é necessário usar esmalte, batom e todo o arsenal de make para nos diferenciar e valorizar socialmente. E deixando claro, cada mulher decide sobre seus cuidados com aparência.
Questionamentos nos levam a avançar algumas casas
A consultora de imagem pode contribuir para uma nova cultura, entendendo, por exemplo, que feminismo e ‘feminices’ não são necessariamente conceitos antagônicos. Vamos parar de produzir estereótipos de que feministas são uma espécie de ‘mulheres barbadas’, que não se cuidam? Ou o contraponto dessa ideia de que sem um ativismo contundente somos omissas? De que toda mulher 50, 60, 70+ quer parecer 30 anos mais nova? De que toda mulher plus size quer ficar magrinha? Vamos cessar práticas que podem causar danos, emocionais e físicos, em nossas clientes quando insistimos em enquadrá-las em nossos padrões de beleza, corpo, vestuário?
Cada vez que nos questionamos sobre isso, avançamos uma casa. E olha que ser mulher, ainda hoje, não é nada fácil. Mulheres experimentam malabarismos com a pandemia do coronavírus. Quem tem filhos, após meses com escolas fechadas, precisa dar conta do trabalho, da casa, orientar deveres, brincar, cozinhar. Isso tem muito a ver com conceitos de que toda mulher é uma cuidadora. Nada contra cuidar, mas contra a cultura de que essa tarefa faz parte da ‘natureza feminina’.
E ESTAMOS ASSIM
- Em 2020, o Disque-Denúncia recebeu mais de 105 mil registros de violência e abusos contra a mulher.
- Indicadores de salário, mercado de trabalho, violência doméstica, entre outros, pioraram no mundo todo com a pandemia. Desemprego, redução ou perda de renda atingem desproporcionalmente as mulheres em relação aos homens – dados da Pnad Covid, pesquisa do IBGE, de agosto, mostraram que 17% das mulheres brasileiras ficaram sem emprego.
- Um recorte de gênero ainda mais desigual, já que as mulheres, em 2019 (Pnad), ganhavam em média 28,7% menos do que os homens.
- Levantamento do Insper, também de 2019, revelou que mulheres negras – considerando médicas, advogadas, engenheiras, cientistas sociais, professoras e administradoras, recebiam menos da metade do salário do homem branco nas mesmas funções.
- Mulheres estudam mais, trabalham mais, ganham menos. Em 2016, das brasileiras entre 25 e 44 anos, 21,5% tinham graduação universitária completa, contra 16,5% dos homens, segundo o IBGE.
- Mas somente 10,4% das mulheres negras tinham ensino superior completo. E todas as mulheres, considerando raça, dedicavam 18 horas por semana a cuidados de pessoas e afazeres domésticos. Os homens, cerca de 10 horas.
- Segundo a ONU Mulher, “ao ritmo atual, a igualdade de gênero nas mais altas posições de poder não será alcançado nos próximos 130 anos”
- Dos países do mundo, hoje nove mulheres são chefes de Estado, e treze de governo. Em 119 nações consideradas democráticas elas nunca ocuparam esses cargos (ONU Mulher)
- Em 2021, o tema do Dia Internacional da Mulher é precisamente “Mulheres na liderança: Alcançar um futuro igual num mundo covid-19″.
Uma data de luta, mas também de celebração
O Dia Internacional de Mulher historicamente é marcado por manifestações em todo o mundo pela igualdade de gênero, reivindicação de direitos, denúncias e divulgação de estatísticas, ainda assustadoras, de feminicídios, desigualdade de emprego e renda, baixa representatividade na política e nas corporações. Este ano, com a pandemia, as manifestações serão mais simbólicas, enquanto a mídia vai abrir mais espaço sobre as questões de igualdade de gênero e seus recortes de raça.
Nas últimas dez décadas o mundo avançou muito em relação aos direitos da mulher. Graças a sufragistas, líderes operárias e intelectuais chegamos até aqui. São muitas as mulheres que entre o final do século 19, e ao longo do século 20, iniciaram lutas que levaram a muitas conquistas. Celebro a ousadia, coragem, determinação e inteligência das mulheres. E ainda temos muito chão pela frente hoje e no futuro.
Concluo este texto voltando ao início: sororidade. Cada vez mais essencial e urgente. E que nós, consultoras de imagem, sigamos dispostas a nos diferenciar com uma prática de trabalho humanizada, questionando nossos padrões sobre imagem, ampliando o alcance de nosso olhar, tentando entender cada vez mais nossa cliente. Então, parabéns para nós, mulheres, de todas as idades, raças, profissões. Flores? Podem até ser bem-vindas, mas que representem menos um protocolo social, e mais o reconhecimento de nosso valor humano!