Para onde vamos com a estética de padronização da beleza, que propõe até mesmo alterar totalmente a singularidade dos traços, remodelando inteiramente o contorno da face, formato da testa e dos olhos, o arco da sobrancelha, nariz, mandíbulas, queixo? A médica mineira Andrea Dorofeeff, cirurgiã plástica, 32 anos de medicina e 25 na área, conversou com a jornalista Beth Barra para o blog Miriam Lima sobre benefícios e cuidados com a harmonização facial, alertando sobre os riscos de nos tornarmos bonecas, exibindo um mesmo e único tipo de rosto.
A padronização do rosto nos procedimentos de harmonização facial está se tornando uma regra?
É um fenômeno generalizado. Fazer parte de um padrão de beleza parece ser mais importante do que ser realmente bela. As redes sociais disseminaram ainda mais o modelo único, espécie de molde facial. Nós vemos imagens de mulheres com o mesmo nariz, mandíbula, até o mesmo corte de cabelo e mesmo formato da sobrancelha. Como se fosse uma linha de bonecas de rosto idêntico”.
Qual o alcance e as possibilidades da harmonização facial?
Hoje dominamos técnicas menos invasivas, que permitem ao cirurgião plástico alterar totalmente o rosto. O problema é que alguns profissionais, embora tecnicamente qualificados, aderem à cultura da padronização, sem realmente ajudar a pessoa a descobrir o que realmente a incomoda. Considero que nosso papel é propor procedimentos que criem harmonia facial, atendendo as demandas do paciente e a singularidade de seus traços, mas sem impor ou estimular a escultura de um novo rosto, muitas vezes inspirado em alguma personalidade.
Como é o rosto padronizado e disseminado hoje como marco de beleza?
Um rosto mais fino, região malar mais proeminente, mandíbula mais angulada, queixo mais marcado, nariz sempre afilado, com dorso reto e a pontinha levemente arrebitada, região da testa mais levantada. O que mais chama a atenção é o padrão da angulação da mandíbula e da região malar: os ângulos são construídos com preenchimento profundo, remodelando o arcabouço da face. Só que beleza, felizmente, é mais do que isso, é um conjunto de traços, que inclui a personalidade e nosso conteúdo, cultura, gestos, comportamento.
Como atender uma pessoa que busca um rosto que não é o dela?
Entendo que a padronização de um determinado tipo de rosto está permeando nossa cultura e muitas vezes, especialmente a mulher que procura um cirurgião plástico, acha que se não atende a expectativas quase irreais de rosto, corpo e aparência, disseminadas à exaustão nas revistas e redes sociais, pode inclusive prejudicar sua vida pessoal e a carreira profissional.
Há limites para estabelecer limites?
Como médica me cabe mostrar que as técnicas alcançaram um grau de excelência que possibilitam criar e esculpir um novo rosto, não uma nova personalidade ou história de vida. Então é preciso estabelecer limites, lembrando sempre que alterações no rosto e no corpo focam o bem-estar, podem melhorar a autoestima, estimular o autocuidado, embelezar, harmonizar, mas algumas questões íntimas estão além do nosso trabalho. Não tenho como dizer na primeira consulta “não vou deixar você no padrão”, e se percebo essa busca inspirada em moldes de rostos famosos, estabelecer uma relação de confiança e de troca pode exigir mais tempo.
Quais os riscos dessa busca?
Alguém que queira um novo rosto, que queira mudar totalmente, costuma ser uma pessoa que não se aceita. Quando busca outro rosto que não o dela, existe possivelmente um problema com a autoimagem. Saudável é se olhar no espelho e desejar aquele mesmo rosto com algumas mudanças. Querer os traços da fulana é uma negação da imagem, o que infelizmente está sendo imposto culturalmente. Dou o exemplo com o envelhecimento, uma mulher de bem com ela mesma e em paz com sua idade e a passagem do tempo, pensa em corrigir uma flacidez acentuada, um excesso de olheira, identifica o que a incomoda, e o médico a orienta e propõe as correções.
Como fica a relação médico/paciente?
Uma questão também muito importante para o profissional de cirurgia plástica é conseguir que o paciente identifique a própria beleza, que é única. Então é conversar muito, ouvir muito, se interessar, humanizar a relação, entender a beleza daquela pessoa, ajudá-la a perceber os próprios traços, que não existe um padrão, um molde exato onde precisamos nos encaixar. Quando consigo, me sinto realizada. Isso exige um trabalho mais demorado, que pede mais disponibilidade minha e do paciente. Mas é compensador.
SOBRE NOSSA ENTREVISTADA
Com 32 anos de medicina, Andréa Dorofeeff, formada pela Faculdade de Ciências Médicas, fez residência em cirurgia geral em Belo Horizonte. Logo depois, foi morar na Alemanha, onde fez doutorado em Trauma e especialização em Cirurgia Reconstrutora e Cirurgia de Trauma Ósseo. De volta ao Brasil, optou por uma nova residência, de três anos, em Cirurgia Plástica (titulada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e mais um ano de Cirurgia de Mãos. Atualmente ela se dedica também ao atendimento no Hospital São Camilo de crianças e adolescentes, que sofrem de feridas, queimaduras e outros traumas
“Sou uma admiradora da beleza, masculina e feminina, mas a perfeição não existe. Personalidade, autoconhecimento e atitude fazem parte da beleza, que considero mais do que um conjunto de traços, inclui nossa personalidade, nosso conteúdo, vivências, cultura, gestos, comportamento”