Autoconhecimento tornou-se um termo da moda. Passou a ser vendido, prometido, facilitado como mercadoria. Encontramos por todo lado teorias rasas e infundadas, repletas de facilidades para alcançá-lo. Felizmente, profissionais das mais diversas áreas e saberes têm falado do tema com seriedade e relevância. Prefiro me ater aos bons. Em evento sobre inovação, que assisti no início da pandemia, um dos palestrantes citou Ligia Zotini, pesquisadora e pensadora de futuro: “Não há nada mais futurista que o autoconhecimento”.

Isso evindencia a importância dada ao ‘conhecimento de si’ pelas mentes que pensam e refletem a cultura tecnológica do ponto de vista do sujeito, da sociedade e das corporações. O que não deve ser interpretado no sentido literal, já que desde a Antiguidade o homem se questiona sobre sua natureza. Não à toa, “Conheça-te a ti mesmo”, o enunciado de Sócrates, atravessou o tempo e continua nos provocando e estimulando.

O que a tecnologia tem a ver com autoconhecimento? O historiador e filósofo israelense Yuval Harari, autor de ’21 Lições para o Século 21′, nos responde: “Talvez o mais importante e antigo conselho seja ainda válido: conheça a si mesmo. Buda, Sócrates e Jesus não tinham concorrência”. Harari estava falando para cerca de dois mil participantes da HSM Expo, evento sobre gestão e inovação (SP, 2019), alertando como os algoritmos vão se tornar cada vez mais sofisticados e permitirão, em poucos anos, que gigantes de TI, redes sociais, empresas, e até mesmo governos, manipulem nossos corações e mentes.

Para fazer frente ao que Harari denomina “disrupção tecnológica”, que será um dos principais desafios deste século para os humanos, seu conselho foi de que as pessoas adotem práticas que as conduzam ao autoconhecimento. No caso dele, citou a meditação Vipassana (introspecção na língua Pali da Índia antiga), que pratica duas horas por dia, e adotou há dez anos. O autoconhecimento, de acordo com o filósofo, atuaria como uma espécie de antivírus para a mente, já que o avanço da inteligência artificial vai permitir que se “hackeiem humanos” a partir de desejos que nos serão impostos.

A própria Ligia Zotini, que também é fundadora do ecossistema digital de educação Voicers, referência em novos negócios, tecnologia e ecossistemas de produção, alerta em suas palestras e estudos sobre a manipulação de nossos medos em uma sociedade altamente tecnológica. Segundo ela, o “autoconhecimento, que não é fácil de se alcançar, continua sendo a resposta” não só nos preservar, como para resgatar a humanidade de quem cria e de quem consome e utiliza serviços e produtos da sociedade 5.0.

“Pouco se fala de hackear humanos. Hackear humanos significa criar algoritmos que vão me entender melhor do que eu mesmo me entendo. Assim, poderão prever e manipular sentimentos e decisões. Para isso, nem precisam me conhecer perfeitamente, basta me conhecer um pouco mais do que eu mesmo”

YUVAL HARARI, FILÓSOFO

Qual parte cabe ao consultor de imagem neste novo mundo?

Qual a parte que cabe a nós, consultores de imagem, neste novo mundo em curso? Certamente nos conhecermos um pouco mais profundamente, o que será sempre um ganho pessoal e profissional para entender mais a fundo nosso cliente, e auxiliá-lo no seu processo de autoconhecimento no campo da própria imagem. Isso, sempre sustentadas pela ética, operando nos limites de nosso trabalho. Mas como alcançar esse conhecimento de nós mesmos? Como disse o filósofo Harari, cada pessoa deve buscar as melhores práticas, seja análise, terapia, yoga, meditação, retiros espirituais.

Desde o início do meu trabalho na consultoria, há quatro anos, abordo a importância da jornada do autoconhecimento do consultor nos meus cursos, escritos, palestras e interações com colegas da área de imagem. A forma de entender o mundo e o conhecimento de si varia de acordo com as escolhas feitas por cada pessoa.

No meu caso, escolhi a via da psicanálise, caminho iniciado no início da vida adulta, que levou muitos anos. Não se aprende sobre si mesmo em um piscar de olhos e a análise pessoal foi uma longa jornada, essencial na minha trajetória, me levando concomitantemente ao estudo e a formação em psicanálise.

A prática de autoconhecimento reverbera em nosso trabalho

Cada uma das práticas em busca do conhecimento de si tem seus efeitos e resultados. Quanto mais nos implicamos com nosso próprio autoconhecimento, mais isso se reflete e reverbera no nosso trabalho. Nos conhecer mais profundamente faz uma diferença cada vez maior na vida pessoal e profissional. Para nós, consultores de imagem, pode trazer ganhos e benefícios, já que nossa saída é lidar com as nossas próprias fragilidades. Às vezes lidamos mais ou menos bem com essas fragilidades, outras nem tanto. Isso é humano e nos enriquece.

Falamos tanto de autoconhecimento do cliente na consultoria de imagem, mas a quantas anda o nosso próprio autoconhecimento? Essa questão do conhecimento de si tem que se voltar antes para nós, consultores. Como ajudar o cliente a se conhecer mais, quando ainda estamos mergulhados em dificuldades das quais não conseguimos nos desvencilhar? Dificuldades que podem estar ligadas a nossa autoimagem, a percepção que temos de nossa aparência e mesmo a nossa autoestima.

Isso ocorre na maioria das vezes inconscientemente, já que muitas vezes ignoramos as causas e o sentido dessas dificuldades, não nos dando conta de entraves subjetivos em nós. Mas eles impactam nosso trabalho, quer queiramos ou não, e podem dificultar o processo de consultoria, atrapalhando nosso cliente.

O que você, consultora de imagem, tem feito para se conhecer um pouco mais?

O conhecimento de si mesmo é um processo contínuo, e no final das contas vamos colocar no pacote as nossas falhas e as nossas faltas de garantias em relação à vida. “Somos seres desejantes destinados à incompletude e é isso que nos faz caminhar”. Gosto muito dessa frase de Lacan, psicanalista francês, que por sinal, assim como Freud, está presente em vários momentos do meu curso Autoconhecimento para Consultores de Imagem/Método Interno.

PENSE SOBRE ISSO

  • Lacan não acena com qualquer possibilidade de plenitude ou de felicidade eterna, por isso é tão importante e enriquecedora a jornada para dentro de nós.
  • Não tem como falar do externo, da aparência, sem nos darmos conta de nossos movimentos e abalos internos.
  • Conhecer-se a si mesmo não é empreitada de poucos dias ou semanas.
  • Pelo contrário, a busca do autoconhecimento é uma jornada interna e solitária, pede muita disposição e empenho para caminhar por seus meandros.
  • E você, colega consultora, o que tem feito nessa caminhada em busca do autoconhecimento?

VOCÊ QUER AJUDAR SEU CLIENTE? MENOS MANTRAS E MAIS ESCUTA

Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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