O ato de cobrir o corpo é uma escolha diária. Mas você sabe até que ponto ou quais são os impactos dessa escolha que, aparentemente, parece quase banal? Esse processo, mesmo sem que a pessoa perceba, é impregnado por sua subjetividade. O consultor de imagem, ao compreender um pouco mais a relação entre inconsciente, o vestir e imagem pessoal terá mais recursos em seus processos e atendimento. Lembro que no futuro, que está logo ali, o “grande diferencial do ser humano será ser humano”. Novas tecnologias vão exigir, cada vez mais, habilidade humanas. Ou seja, a humanização, que atravessa todas as áreas, envolve nossas práticas de trabalho.

Compreender o cliente passa pelo entendimento de que o vestuário é nossa segunda pele, representa uma interface entre o externo e o interno. O que vestimos é notado antes de qualquer contato verbal e serve tanto para despertar o olhar do outro, quanto para nos manter invisíveis. Não à toa, tanta gente se importa mais com a etiqueta do que com o modelo, o tecido, a cor, e se torna vítima da moda. Mas cada pessoa, querendo ou não, carrega nas roupas suas marcas simbólicas.

Sem uma prática humanizada, aquela que acolhe as vulnerabilidades e as dores do cliente, a consultora de imagem correrá sempre o risco de entregar uma identidade visual tecnicamente irretocável, porém de pouco efeito na vida do cliente. A mudança de imagem, que passa pelo que ele veste, não produz benefícios. Ou seja, a pessoa não se reconhece em sua imagem. Tampouco se sente bem na própria pele – o que não é fácil, não se dá de pronto e não existe discurso de autoaceitação que resolva sem investir no autoconhecimento. Fica a pergunta que nós, profissionais de estilo e imagem, devemos sempre nos fazer: será que estamos humanizando nossos processos de consultoria ou ainda estamos focando só o estritamente técnico? Minha escolha é transitar por essas duas vias: técnica e humanização. O que inclui abordagens diferenciadas, voltadas para o cliente.

Você está investindo em suas práticas de atendimento na consultoria de imagem?

Conhecer mais a fundo o cliente é condição ‘sine qua non’ para a prática humanizada, que vai nos diferenciar no mercado. Há várias formas de humanizar nosso processo e sempre me pergunto o que estou fazendo pelo meu cliente. Ou seja, trabalho uma consultoria que não é só serviço, mas também benefício? E quanto mais clientes atendo, mais enriqueço minhas práticas de trabalho. Todo cliente me deixa questões e aprendizados, assim como aprendo com as alunas dos meus cursos do método Interno. Acredito que por mais que eu domine as técnicas de consultoria de estilo e imagem, quem sabe dele próprio é o cliente, não eu. Por isso digo que conduzo o processo, não conduzo o cliente. Muitas vezes esbarramos em resultados que não são tão bons em nosso atendimento. Não por falta ou deficiência técnica, mas porque não nos investimos no tempo necessário para conhecer mais a fundo o cliente.

Durante a pandemia, acompanhei lives de profissionais que pensam e trabalham com moda e estilo falando cada vez mais da necessidade de olharmos para o interno – de vestir nossa roupa interna. Houve um deslocamento da roupa objetiva para a roupa subjetiva. Precisamos entender quem são essas pessoas que estão vestindo e comprando tais roupas e acessórios, cortando o cabelo de determinada forma ou adotando uma make no estilo X.

O simbólico é valorizado cada vez mais em uma tendência de olhar o interno. E roupas têm histórias! Pergunte-se, por exemplo, qual o sentido que aquela peça tem na vida e na história do cliente. A tendência de olhar para dentro, para o interno, está avançando com profissionais da comunicação trazendo também para roda esse tema do vestuário com história, memória e afeto.

O que é desumanizar o cliente? É tentar decifrar e avaliar a pessoa

Vivemos um momento que não está fácil para ninguém e mesmo que as dificuldades e vivências sejam pessoais, enfrentamos uma crise sanitária coletiva, que altera a dinâmica da vida. Precisamos pensar em como nos reinventar, tornar nosso trabalho necessário e agregar valor ao que fazemos. Quando passamos à esfera da roupa, o consultor de imagem deve sempre se perguntar: qual o sentido de determinada peça na vida do cliente?

Temos de ir além do vestido de linho azul ou do modelo X, Y, Z. E pensar como fazer para nosso trabalho ser reconhecido como necessário. A estratégia de imagem inclui aparência, como roupa, make, cabelo. E ela deve estar dentro de um contexto que valorize a história de vida do cliente e como ele percebe sua autoimagem.

Costumamos ver o outro com base em nossa história de vida. Lemos, ou até julgamos o mundo e as pessoas de acordo com nossas referências. O que não se dá sem riscos. Acho perigoso o profissional de imagem que trabalha “decifrando” o cliente. Desumanizar o cliente é elaborar qualquer coisa relacionada à personalidade dele de acordo com sua aparência, traços faciais e corporais. Por isso, mesmo quando faço avaliação técnic, jamais ignoro o que o cliente acha, como ele se sente.

As dores que um consultora de imagem encontra no seu dia a dia

  • As dores passam longe de ser da ordem técnica.
  • Não saber quais são as reais demandas e necessidades do cliente.
  • Muitas vezes, o profissional de imagem tem dificuldade de compreender e respeitar limites e o tempo do cliente.
  • Dificuldade de conduzir um processo em que o cliente ganhe autonomia, sem ficar refém dos padrões, valores e gostos do consultor.
  • Dificuldade também de conduzir um processo em que o cliente se reconheça, mesmo que pareça que sua imagem passou por uma revolução.

“Eu quero cada vez menos ver o vestido e cada vez mais ver a mulher que o usa”

(ELBER ELBAZ, ESTILISTA)

Nós, consultores de imagem, conseguiremos ver menos a roupa, o cabelo, a make? E ver mais a mulher, ou a cliente que estamos atendendo? Isso é colocar o foco na pessoa.

A escolha de uma roupa nunca é fruto de uma casualidade

Todas as escolhas que fazemos podem ser adequadas ou não à luz da cultura. E se o cliente está se apresentando de uma forma inadequada para determinada situação, precisamos entender que a roupa tem a ver com a história e percepção dele sobre o que veste. Ao compreender isso, julgamos menos, tendo em mente que para além de uma aparência fútil, as roupas desvelam movimentos íntimos e desconhecidos de nossos desejos inconscientes.

INCONSCIENTE. QUE BICHO É ESSE?

  1. Nosso psiquismo funciona da forma consciente e inconsciente.
  2. O inconsciente é uma instância que busca o tempo todo pelo prazer.
  3. O inconsciente é uma marca que recebemos do outro. Da mãe, do pai ou de quem cuidou de nós.
  4. A forma como nos vemos no espelho está sustentada nas experiências da infância. E isso não tem a ver com anatomia e com padrões de beleza e estéticos.
  5. O inconsciente é atemporal. Não envelhece. Independe da idade que temos.

Como conduzir uma consultoria de imagem que vai além do que o cliente conta?

Na metodologia Interno, eu ensino, com base na minha experiência psicanalítica, e de um jeito acessível ao entendimento, que a consciência não contém toda verdade da pessoa. Ou seja, todos nós temos questões inconscientes em relação à imagem. Essa parte ignorada, e muitas vezes desconhecida, movimenta cada uma de nossas escolhas, não só de imagem, mas também de projetos, sonhos e até possibilidades.

Por isso, às vezes, nem o cliente sabe quem ele é. Para conduzir uma consultoria de imagem que vai além do que o cliente relata, e resulte em uma transformação na vida dele, o profissional deve estar a par do que é um processo humanizado. Qualquer ajuda que deixe a cliente melhor do que chegou à consultoria, com mais autonomia e conforto emocional em relação à imagem é bem-vinda. É fundamental que a cliente se reconheça na nova identidade visual.

O que é estar bem na própria pele?

O nosso corpo e a nossa pele são constituídos de histórias, que são as marcas inscritas por quem nos cuidou. Muitas vezes angústias e dificuldades com nossa imagem vêm dessas marcas, que até hoje não digerimos. Vestimos nosso corpo com nossas marcas inconscientes. E as roupas que escolhemos são nossa segunda pele. Há pessoas que têm uma relação menos conflituosa com o seu corpo, mesmo que não seja o corpo idealizado dos padrões culturais. Outras se sentem desconfortáveis e sofrem com isso, por mais bonitas que sejam aos olhos de nossa cultura estética.

Por isso, para entender mais o cliente, ele precisa nos contar como se vê, já que a maneira como nos vestimos está presa nas tessituras de uma história. A roupa pela roupa não significa nada. Quando propomos à cliente uma peça ou um adorno, por exemplo, eles devem estar ligados à história dela.

Afinal, de onde vem o nosso desejo de nos vestirmos de certa maneira? O jeito como nos vestimos não é fruto de uma casualidade. A criança depende simbolicamente da mãe e do pai e os primeiros olhares maternais e paternais dirigidos à criança deixam marcas, que são o material para a construção da autoimagem. As marcas simbólicas envolvem palavra + olhar, e remetem ao desejo inconsciente da mãe.

Vestir-se cotidianamente parece simples. Só parece!

A vontade é a ordem da consciência, mas o desejo, que é inconsciente, a transcende. A princípio vestir-se cotidianamente parece simples. Só parece! O nosso repertório imagético nasce na infância – é uma construção da nossa vida. E não importa se a pessoa tem um estilo apurado ou não, muitas pessoas não tiveram ainda a chance de despertar esse reportório. Mas todo mundo tem um estilo, mesmo que esteja trancado em uma caixinha.

Individualmente, as escolhas relativas ao vestir nos acompanham desde que nascemos e, desde sempre, vamos criando nosso repertório imagético. Começamos refletindo nossa cultura familiar, que por sua vez, terá suas conjugações na representação estética individualizada.

Com o passar dos anos a cultura familiar pode perder espaço. Mas outros influenciadores aparecem, como os grupos de escola, do esporte, da vizinhança. Influenciadores que nem sempre permanecem por muito tempo, mas que são suficientes para pontuar gostos e preferências do vestir, deixando marcas por certa etapa da vida ou durante todo o percurso. O ato de cobrir o corpo é uma escolha diária, que independente da consciência estética aplicada, envolve aspectos objetivos e subjetivos.

ASPECTOS OBJETIVOS DO VESTIR

Os aspectos objetivos envolvem decisões práticas e utilitárias tais como ocasião, horário e local de uso, clima, tipo físico da pessoa. Essas escolhas acerca de tais aspectos podem ser respondidas por meio de questionamentos: Quem? O que? Quando? Para quê?

ASPECTOS SUBJETIVOS DO VESTIR

As decisões subjetivas implicam em relações ligadas tanto ao gosto pessoal quanto às influências psíquicas, sejam elas conscientes ou inconscientes, que interferem sobremaneira na forma como nos vestimos e nos mostramos ao mundo.

  • Todo registro visível é habitado pelo registro invisível. A imagem nunca deve ser tomada na superficialidade, restringindo-se aquilo que os olhos alcançam.
  • Lidar com as subjetividades e as diferenças de cada pessoa é tarefa dao consultora de estilo e imagem que quer ir além da aparência e se diferenciar no mercado.
  • Você, colega consultora de estilo e imagem, está preparada para essa empreitada?

“O inconsciente, o vestir e imagem pessoal” foi tema da masterclass que dei em abril em formato de aula aberta. Interessou-se? Acompanhe no Instagram minhas programações de lives e outros eventos. Você será sempre bem-vinda!

Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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