Leio e ouço sobre autoconhecimento para todos os lados que vou. Autoconhecimento virou uma palavra da moda. Está espalhada aos quatro ventos em postagens nas redes sociais e em fase ascendente no Google Trends, o termômetro dos termos mais buscados na plataforma. O entendimento do conceito do “conhecimento de si” tem sido até mesmo banalizado. Vendido como se fosse um produto. O profissional da consultoria de imagem, especialmente nestes tempos pandêmicos, que afetam nossa saúde mental, deve ficar cada vez mais atento e avisado sobre essa questão.
Neste campo não cabe achismo. Conhecer a si mesmo não é empreitada de poucos dias ou semanas, que se adquire como produto. Pelo contrário, a busca do autoconhecimento é uma jornada interna e solitária, que exige disposição e um investimento gigante quando decidimos percorrer seus meandros. O autoconhecimento vendido e exposto como facilidade está se tornando um shopping center de ilusões e de enganos.
Quando o consultor de imagem amplia seu entendimento dos conceitos que envolvem o autoconhecimento pode efetivamente ajudar seu cliente em suas demandas de imagem e estilo. Cada pessoa decide qual é a sua via de acesso ao autoconhecimento, que pode ser terapia, práticas de meditação e yoga, leituras enriquecedoras. O meu caminho, o que escolhi para mim, foi a psicanálise, e de saída eu sabia que seria uma jornada que demandaria tempo.
Percebo claramente como a experiência da análise impacta meu trabalho na consultoria de imagem. Por isso, acredito que os consultores que enveredam pelas trilhas do autoconhecimento têm mais chance de desenvolver uma consultoria que transforma a vida de seus clientes. Quando não damos crédito para nossas fragilidades, e escondemos de nós mesmos nossas eventuais dificuldades, podemos perder o nosso estar autêntico no mundo e até mesmo comprometer o trabalho na consultoria de imagem.
PENSE SOBRE ISSO
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Incluir nossas próprias vulnerabilidades, porque todas as temos, na lida com nossos clientes de consultoria de imagem, deixando de lado essa ideia de que a felicidade eterna e plena existe, é onde reside a riqueza do nosso trabalho.
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Que entender e se posicionar sobre essas questões muda a visão romanceada da consultoria de imagem, ainda tão recorrente, para uma visão mais ampla e humanizada.
Quanto mais a tecnologia avança, mais precisamos lidar com nosso interno
Quanto mais o mundo avança em desenvolvimento e tecnologia, mais importante se torna o conhecimento de nós mesmos, nos ajudando a lidar com as angústias próprias de nossa humanidade. Não à toa, considero que o texto O Mal-Estar na Civilização, escrito em 1929 por Sigmund Freud, continua tão atual. Ele investiga em seu estudo as raízes da infelicidade humana, observando que quanto mais avançamos culturalmente, quanto mais a civilização progride, mais as angústias dão as caras no nosso cotidiano.
Prova disso é o atual e assustador aumento dos casos de depressão no mundo, doença que deve se tornar em poucos anos a mais incapacitante do planeta. A busca pela felicidade, que virou uma obrigação, não só é impossível, como acaba adoecendo as pessoas por tentarem alcançar o inalcançável. Quando essa busca se conecta ainda a padrões estéticos e de beleza, ocorre uma ‘tempestade perfeita’ ao envolver uma imagem idealizada na aparência, no vestuário, no corpo, no trabalho, na sociedade.
Quando enfrentamos tempos tão atípicos, vivenciando uma pandemia que abalou nossas certezas, o autoconhecimento ganha novas nuances e pode ajudar a manter nossa saúde mental, que não se refere a doença e transtornos psíquicos, mas a nossa lida com emoções que envolvem tristeza, frustração, raiva, alegria, satisfação.
Engrenagens que pareciam lógicas para o funcionamento da vida e do cotidiano foram rompidas. Descobrimos que não temos o controle de tudo e muita gente se viu às voltas com suas questões subjetivas, antes escondidas. De acordo com um estudo da USP, publicado na Gama Revista, que considerou dados de onze países, o Brasil lidera o ranking dos casos de depressão e de ansiedade durante a pandemia de Covid19.
A fadiga emocional de ‘tocar o barco’ mostra a importância de se autoconhecer
Depois de dozes meses estamos mais cansados, estressados e atingidos de um jeito ou de outro pelo coronavírus. Seja enfrentando a doença dentro de nossa família, seja cada vez mais preocupados com a sobrevivência, o trabalho, o desemprego, a perda de renda. Seja pela fadiga emocional com o home office, lembrando que a maioria dos brasileiros não tem essa opção, a necessidade de isolamento social e o próprio medo de se infectar.
‘Tocar o barco’ não tem sido fácil. Tanto que casos de ansiedade, insônia e depressão estão aumentando, assim como a clientela em busca de profissionais psi. Daí os riscos de se banalizar o conceito e as vias que existem para se autoconhecer. Risco que o profissional de imagem não deveria correr.
É muito importante que o consultor de imagem saiba a referência de autoconhecimento com a qual atua a fim de auxiliar o cliente em suas demandas de identidade visual. Não é viável sustentar seu trabalho com uma proposta de autoconhecimento e desejar intervir, e obter resultados, que somente outra modalidade é capaz de oferecer.
O profissional da área que investe na sua vida pessoal em práticas de autoconhecimento, como meditação, por exemplo, acessa o conhecimento de si de forma diferente daquele que faz psicoterapia. Ou seja, o consultor precisa saber a diferença entre o autoconhecimento que passa pelo aprendizado racional e a mudança advinda da experiência de descobrir-se pela via do inconsciente.
A longa jornada do autoconhecimento: qual o seu lugar no mundo?
O fato de ter levado minha jornada pelo autoconhecimento com propósito, que era entender as causas do meu mal-estar existencial ainda tão jovem, me permitiu investigar aquele aperto no coração que muitos de nós sente ou já sentiu em algumas fases da vida. Na verdade, a nossa possiblidade de entusiasmo com a vida advém da lida com esse mal-estar, que é inerente a todo ser humano, mesmo que ele não se dê conta.
Minha busca pelo autoconhecimento é antiga. Remonta ao início da fase adulta, aos vinte e poucos anos, recém saída da faculdade. Foi quando comecei a sentir um incomodo muito grande com a minha vida, com a minha existência – as coisas não encaixavam, como acontecia até então. Essa inquietação no fundo era muito mais que inquietação, era recorrente e dizia respeito sobre quem eu era, qual o meu lugar no mundo.
Essas questões existenciais me doíam a alma, me deixavam acossada e eu não conseguia resolver sozinha. Foi quando decidi fazer uma análise pessoal, uma decisão que não foi fácil. Eu sabia de antemão que iria enfrentar uma espécie de dragão interno. Tinha noção do que me aguardava e precisei de muito empenho para não desistir da empreitada de me conhecer, e mais do que isso, reconhecer o que não ia bem na minha vida, o que me causava angústia.
No final das contas, entre perdas, danos e ganhos, foi uma experiência decisiva. Fiz análise por mais de 20 anos, o que mudou radicalmente a minha vida e me confrontou com minhas falhas, dificuldades, vulnerabilidades. Então estou dizendo que a minha análise foi só atravessamento de coisa ruim? Não é disso que se trata, mas para dar conta do que me faz viver com entusiasmo e me mobiliza precisei atravessar um deserto. Uma espécie de aridez para me haver com o meu desejo, aquilo que todos nós temos de mais genuíno. Para a psicanálise nada nos marca mais e diz mais sobre nós do que o desejo inconsciente.
PS – Sou psicanalista com formação freudiana e lacaniana com 20 anos de prática clínica. Em 2012 fiz minha primeira migração de carreira, quando criei uma marca de roupa. A experiência na moda foi o embrião para o meu trabalho na consultoria de imagem, iniciado em 2016. De lá para cá, além de mentorias e de atender clientes corporativos e pessoais, desenvolvi e criei o método Interno, base de minha prática e dos cursos que ministro para profissionais de imagem.