Quem se aceita totalmente o tempo todo? Quem disse que é fácil lidar com a idade, a percepção da própria imagem e questões internas que afetam o jeito como nos sentimos e nos vemos? “Você precisa se aceitar do jeito que é,” direcionado também à aparência e ao corpo, não poucas vezes esbarra com as insatisfações da pessoa com sua imagem. Essas questões andam permeando debates e posicionamentos, por vezes antagônicos, no campo da imagem e estilo pessoal. Como estamos lidando com a autoaceitação na consultoria imagem? Dá evitar as armadilhas do lugar comum? Considerar o momento de vida da cliente, seus limites e dificuldades, pode fazer diferença na vida dela.
“Aceitar-se plenamente? É uma violentação da minha vida. Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: meu coração está espantado”. Essa frase de Clarice Lispector, em Um Sopro de Vida, me leva a refletir sobre os limites, sempre singulares, da autoaceitação. Quando falamos de aparência e imagem externa, acho que existe muita diferença entre questionar padrões estéticos, estereótipos de beleza, corpos, idade, raça e o discurso do aceitar-se plenamente.
Será que somos capazes de nos aceitar por completo? Eu não acredito nisso. O que vale para tudo na vida, incluindo aí nossa aparência, corpo, imagem pessoal. Será que um dia as mulheres vão deixar de exigir tanto de si mesmas e das outras ao seu redor? É preciso entender que nem tudo depende de força de vontade. Saber encarar os próprios limites é saudável e ajuda a lidar bem com nossa saúde mental.
A autoaceitação lançou luz sobre os questionamentos de modelos estéticos. O que é muito bem-vindo e necessário. Movimentos como body positive atestam isso: mulheres do mundo inteiro, todos os dias, descobrem que não precisam ter um corpo magro e se ajustarem a padrões de silhueta. São bonitas, saudáveis e esse gostar de si ajuda a disseminar uma nova cultura de beleza e bem-estar com a aparência. Mas nossa cultura continua imersa no ideal de juventude. A mulher é avaliada pela aparência muito mais do que o homem e envelhecer significa estar exposta a todo tipo de avaliação depreciativa.
Até pouco anos atrás, o tema da idade era tão incomôdo que atrizes, artistas, cantoras o evitavam ao máximo. Felizmente esse silêncio sobre envelhecer foi sendo rompido: mulheres consideradas modelos de beleza chegaram aos 50, 60 anos. Mais do que dar dicas de antienvelhecimento ou skinkare, muitas delas passaram a falar sobre inseguranças, dilemas e dificuldades para lidarem com a passagem do tempo. Isso inspirou milhares de outras mulheres, que se viam às voltas com o próprio envelhecimento, vivenciando mudanças no rosto, no corpo, na aparência. Nesse sentido, cabelos brancos foram ressignificados, deixarando de ser ‘defeito’ para se tornar valor, identidade, estilo, aceitação. Mas será que toda mulher deve assumir os fios grisalhos, mesmo a contragosto, para se adequar? Acredito que na consultoria de imagem essa deve ser uma decisão da cliente, nunca da profissional, para não fazer de um movimento libertário uma obrigação.
Ainda temos uma sociedade gordofóbica, não dá para negar, mas cada vez que uma marca coloca na passarela tops plus size, por exemplo, cai um tijolinho de estereótipo – quem conferiu alguns desfiles da última edição da Nova York Fashion Week viu que, aos poucos, a mulher gorda começa a integrar o casting de desfiles. Até chegar o dia em que não será preciso ‘destacar’ sua presença nas passarelas. Vai demorar, mas a gente chega lá! Assim como a valorização do cabelo afro, em que tantas mulheres entenderam que não precisavam continuar alisando e alterando seus fios. Isso é libertador, com toda certeza. Porém cada pessoa vai lidando com as quebras de padrões de acordo com seu tempo. Por isso o nome transição, que envolve processo, descoberta, ressignificação, novos olhares.
“Tenho que me aceitar” difere da vontade genuína de se aceitar
Tentar ajustar a cliente da consultoria de estilo e imagem ao mantra de uma autoaceitação incondicional pode ser tão danoso quanto impor padrões idealizados de imagem. Portanto, “tenho que me aceitar” difere da vontade genuína de se aceitar. Aceitar-se passa pelo conhecimento de si. Não se dá sem autoconhecimento, sem a jornada interna de nos reconhecermos, o quem nem sempre tem a ver com corpo, idade, tipo físico.
Aceitar-se envolve lidar com questões inconscientes, aquilo que desconhecemos em nós. O que passa pelas histórias de vida, pelas marcas deixadas por quem cuidou de nós. É se permitir também atitudes de mudanças e rever padrões internalizados por nossa cultura: aceitar-se não deveria se tornar um status, marcador social e obrigação para a pessoa se sentir inserida em uma nova modalidade.
A consultora de estilo e imagem deveria aceitar quando a cliente diz que não está bem. Entender que aquele é um momento na história de vida da pessoa que precisa ser respeitado. Humanizar o atendimento é acolher as dores da cliente, que certamente, assim como eu e você, está experenciando um novo jeito de ser e de se perceber, tanto na aparência como no seu interno.
Gosto e uso muito a expressão ‘equilibrar os pratinhos’, na minha vida, no meu trabalho e na lida com minhas clientes. Talvez nunca, como nesse ensaio de pós-pandemia, faça tanto sentido esse equilíbrio, pois, afinal, estamos voltando à vida social, aos atendimentos presenciais, ao olho no olho. Retorno que acontece para muita gente com mudanças corporais, busca de bem-estar em relação à imagem, mais autenticidade no vestir e na identidade visual.
Não à toa, saúde mental, consumo responsável e autocuidado foram temas tão relevantes nos últimos meses, o que inclui uma nova relação não só com o corpo e a beleza, mas com o trabalho, a profissão, a família, os amigos. A jornada de gostar de si mesmo dura a vida inteira, tem altos e baixos, já que não existe ninguém com uma autoestima inquebrantável. Por isso, quando falamos em autoaceitação corporal, precisamos, sim, equilibrar os pratinhos. O movimento de olhar o próprio corpo e o próprio rosto com mais gentileza e aceitação começou lá atrás, há mais de 20 anos, vem se expandindo, mas não de acontece de pronto.
Ninguém acorda do dia para a noite, após décadas internalizando uma cultura de beleza padronizada, e simplesmente aceita o que considera suas imperfeições, aceita o que não se encaixa nos ditos modelos, que ainda existem. Essa construção tão importante e libertadora de aceitar-se, que rema contra a idealização da imagem, e contra um ideal de perfeição questionável e inalcançável, não deve resvalar para outra prisão, tão repleta de regras que exclua quem ainda não chegou lá. E nem a tem obrigação de chegar aonde quer que seja em termos de aparência e imagem.
A cliente deve ser sempre a protagonista do processo
Não poucas vezes, nos últimos meses, atendi clientes desconfortáveis, e até frustradas, porque não estavam conseguindo se encaixar no perfil da autoaceitação incondicional. Pelo menos não de pronto. Elas se sentiam ‘fora da nova ordem mundial’. Algumas pelos cabelos tingidos, enquanto amigas e conhecidas experimentavam a libertação dos fios brancos. Uma bem jovem se sentia inadequada por ainda fazer escova, mas disse que estava começando a experimentar seu cacheado natural. Outras, entrando nos 50 anos, por considerarem algum procedimento estético como redução de olheiras, levantar o olhar, suavizar o ‘bigodinho chinês’. Nada que fosse uma busca de beleza ou juventude a qualquer preço ou aquele estica e puxa que afeta as feições.
Essa clientes se sentiam de alguma forma cobradas socialmente e na obrigação de ‘aceitar’ incondicionalmente o cabelo branco, as rugas, a celulite, a gordura localizada. Tudo para se adequar ao discurso em voga da autoestima, que algumas vezes chega a ser tóxico. Elas não se sentiam preparadas, mas se comparavam a outras mulheres em situações parecidas. Resultado: estavam em guerra com elas mesmas, desenvolvendo sentimentos de menos valia. Direcionei o processo da consultoria de imagem para a cliente entender que cada pessoa lida de formas diferentes com questões que envolvem estética e aparência. Cada pessoa tem seu tempo.
Então, como ‘equilibrar os pratinhos autoaceitação incondicional X quebra de padrões estéticos? Não existe fórmula pronta para lidar com isso. Cada cliente é única em sua história e momento de vida, dificuldades de imagem e demandas ao contratar uma consultoria de imagem. No meu caso, sempre trabalhei em prol da diversidade, sempre focando a cliente, sempre atenta para não impor modelos idealizados, estilo e identidade visual X, Y, Z de acordo com corpo ou idade. Quando nos propomos a ser catalisadoras do processo, colocando de verdade a cliente como protagonista, temos muito mais possibilidades de a pessoa implementar as mudanças propostas, porque ela vai se reconhecer nelas.
O QUE PODE AJUDAR A ‘EQUILIBRAR OS PRATINHOS’?
- Não é fácil alterar padrões estéticos. Tento em meu trabalho na consultoria de imagem que a cliente comece a se entender com seu corpo, não aquele ‘corpo perfeito e padronizado’, ainda tão exaltado pela indústria da moda.
- De tal forma que isso redunde em mais conforto com sua aparência, mais bem-estar com sua imagem, mais disposição para buscar e descobrir seu estilo.
- Uma consultoria de imagem humanizada, que pode fazer diferença na vida da pessoa, e ser um elemento de transformação, não estimula ideais e modelos de imagens às vezes impiedosos da cliente em relação à própria aparência.
- Ajudar a cliente a não buscar uma imagem idealizada, alimentando padrões inalcançáveis, passa longe do discurso da positividade tóxica e da aceitação incondicional.
- Toda mulher, o que independe de idade, peso, tipo de cabelo, pele, tem questões de insatisfações com o corpo e o rosto. Não à toa, a pesquisa Dove Real Beleza revelou que somente 4% das mulheres do mundo se acham belas, dado que levou a multinacional à sua primeira campanha pela diversidade.
- Não perco de vista o cuidado para não julgar ou encher de conselhos a cliente. Não é esse o meu papel!
- Fico atenta ao que a cliente conta em relação à sua imagem. Redobro a minha escuta, porque a cliente vai relatar ou dar pistas sobre suas dificuldades.
- É minha disposição de escuta que pode abrir essas brechas e tento fazer o melhor uso delas para ajudar a cliente em suas dificuldades e demandas de estilo e imagem.
- Entregar soluções de estilo e imagem pessoal, de acordo com as necessidades e os interesses da cliente, quando percebo que ela vive um momento de muita insatisfação com sua aparência, mesmo que tenha o dito corpo perfeito, me exige mais tempo e disponibilidade de escuta. O processo da consultoria de imagem será mais longo, como preconiza o método Interno.
- Com cautela, tento entender melhor minha cliente, levantando algumas questões sempre a partir de suas falas e de suas observações. Sem colocar palavras na boca da cliente. Ou dar às palavras sentidos que não foram ditos por ela. Processo humanizado na consultoria de estilo e imagem não se dá sem isso.