Dá para propor uma identidade visual autêntica sem a escuta do cliente? Muitas consultores de imagem e estilo reagem a essa pergunta reafirmando que fazem isso o tempo todo, como se ouvir e escutar fossem a mesma coisa. Nos dicionários as definições dos dois verbos até se aproximam, mas na vida real são bem diferentes. Rubem Alves usou de humor e criatividade poética para abordar a arte de escutar, cutucando nossas vaidades ao afirmar que todos querem aprender a falar, mas ninguém aprender a escutar. Afinal, qual a distinção entre ouvir e escutar?

O tempo todo ouvimos em nosso cotidiano, muitas vezes no piloto automático, esperando, quase sempre, a nossa vez de falar. Seja para aconselhar, opinar, discordar, concordar, quando tantas vezes a pessoa só quer e só precisa que alguém a escute para expressar alguns sentimentos e pensamentos, alguns dos quais nem se dava conta. Quando a gente só ouve há pouca conexão. Para escutar é preciso estar genuinamente presente – de corpo e alma.

Por isso, escutar dá trabalho, exige disposição e desprendimento para abrir mão de julgamentos, assumindo a função de “escutador”, que é também a do consultor de imagem – pelo menos daquele profissional que foca na cliente e adota práticas verdadeiramente humanizadas. E ao ser escutada pelo consultor, a cliente escuta coisas que eram dela, mas nem sempre percebia.

Vivemos a cultura da hiper individualização, que não favorece a escuta. Mas precisamos e podemos aprender a escutar. Ouvir a gente faz até na ausência e nesse caso não existe uma disposição para ouvir. Os sons nos invadem na música do vizinho, na buzina dos carros, nas vozes que chegam da rua. Queiramos ou não, estamos sempre ouvindo. A diferença é que ao escutar nós nos abrimos para a linguagem do outro, deixamos que ele entre na nossa casa. A escuta não se faz sem acolher o que está em torno das vulnerabilidades da pessoa e por isso relutamos tanto em escutar, já que precisamos renunciar ao nosso narcisismo, às nossas vaidades, o que passa por um exercício de autoconhecimento e desapego de nossa própria imagem.

ESCUTAR É UMA ARTE

  • Escutar é uma arte! Mas quando a consultora de imagem se diz toda “ouvidos” e não se propõe, ou não sabe verdadeiramente escutar, vai terminar impondo seus valores, motivações, gostos e crenças para a pessoa.
  • Em um primeiro momento isso até pode parecer promissor, dando a sensação de que estamos resolvendo problemas, ou o que vemos como problemas.
  • Entre eles, por exemplo, o que consideramos desajustes na aparência, vestuário, cabelo e até comunicação da cliente. Considero tal prática um equívoco, que lá na frente pode causar ainda mais desconforto, sentimento de inadequação da imagem. Ou pior, até sofrimento emocional.
  • Ou seja, uma identidade visual que não se sustenta nas reais demandas e necessidades da pessoa, por mais adequada que seja tecnicamente. E na prática, isso acontece muito mais do que a gente imagina.

Dependemos da escuta para entender a imagem da cliente

Uma imagem autêntica encontra ressonância nos interesses e desejos de quem nos contrata. Ao fazer uma leitura da imagem da cliente sem escutar o que ela tem a dizer sobre si mesma, sua história e suas percepções sobre corpo, rosto, estilo, cores estamos desumanizando o processo. Além de colocar em risco seus resultados. Bato o pé nas questões da escuta, que representa uma ação simbólica para entender a imagem da cliente. O contrário disso, o que não concordo de jeito nenhum, é quando a consultora de imagem tenta decifrar a personalidade da cliente, enquadrando a pessoa em caixinhas de imagem, estilo e aparência, que não servem para nada. O consultor de imagem que domina as ferramentas de escuta não precisa adequar a cliente em perfis e caixinhas.

Consultores de imagem me perguntam, e até questionam, porque precisam tanto da escuta. Respondo que precisam é dessa escuta, afinada e empática, um dos pilares da metodologia Interno. A escuta da palavra da clienteno nosso caso funciona como uma espécie de mediador, o que reduz a possibilidade de comprometer a saúde mental da pessoa.

A palavra da cliente é um recurso que temos por excelência para que ela não seja engolido por suas próprias idealizações de imagem. Ao levar isso em consideração, a consultoria de imagem corre menos risco de ser “adoecedora”. Escutar tem a ver com uma intenção genuína de conexão, colocando o foco no outro, aprendendo com ele. Escutar na consultoria de imagem tem a ver também em considerar e jamais desprezar os tropeços da cliente relativos à sua imagem, ajudando a cliente a se dar conta de que a perfeição é inatingível.

PENSE SOBRE ISSO

  • A boa escuta é a arte de investigar, procurar, pensar junto com o outro. No caso, nossa cliente. É ela quem sabe o que precisa, não a consultora de imagem.
  • Se a consultora de imagem acha que sabe, à priori, o que a cliente precisa, não está certamente em posição de escuta, já que coloca seus ideais e sua visão de mundo na frente das necessidades e da fala da cliente.
  • Coloque em reserva seus gostos e motivações.
  • Comentar, falar de si mesmo, interromper para inserir um novo assunto, comparar situações e histórias criam bloqueios que inviabilizam a escuta.

Quem fala detém o poder? Não é bem assim!

Existe um dito popular de que escutar é obedecer. Ou seja, quem sabe fala, quem não sabe escuta, como se escutar fosse uma posição subalterna. Mas não é nada disso. Quem se conhece sabe escutar verdadeiramente, e já topou com suas dificuldades, impasses, fragilidades e por isso está em condições de acolher as vulnerabilidades de sua cliente e escutá-la. Fomos habituados a achar que cuidar do outro é oferecer soluções, conselhos e diagnósticos. Ledo engano!

A consultora que diz ao cliente que ele tem tal personalidade e por isso deve se vestir com determinado estilo, adotar tal corte de cabelo trabalha uma abordagem focada nos seus interesses e não nos interesses da cliente. Nesse caso, a escuta está esvaziada, não existe, porque o consultor acha que detém todas as respostas sobre a cliente.

Para escutar, nós, profissionais de imagem, precisamos assumir o lugar de perda. De que perda se trata? Da perda de nosso narcisismo, de nossas vaidades e de nossas vestes egóicas. E isso costuma não ser fácil para muitas pessoas, porque quem não sabe perder, costuma não sabe escutar. Você já parou para pensar que nós não aprendemos quando falamos, mas quando escutamos? Portanto, nessa perspectiva humanizada, escutar não seria uma perda, mas um ganho.

Você já se perguntou por que uma consultora de imagem se recusa a escutar sua cliente? Muitas vezes é para se defender das dores da pessoa, que acabam atravessando a vida e as dores da própria consultora de imagem. Muitos profissionais têm dificuldade de escutar, porque isso é tocar em pontos vulneráveis e sofridos da cliente, o que vai esbarrar nas dificuldades que do próprio consultor de imagem. Por isso estou sempre falando da importância de nos conhecermos verdadeiramente, o que perpassa nossa subjetividade.

Escutar envolve tempo, pois exige que o ‘escutador’ se coloque disponível. Em tempos de diversidade, quebra de padrões, diferenças de corpos, escutar é um caminho para lidar com quem é diferente de nós. Quando verdadeiramente escutamos, somos confrontados com as incertezas da cliente, e, consequentemente, com as nossas. O que não tem nada de ruim, pelo contrário. Escutar nada mais é do que abrir espaço para as diferenças.

O pulo do gato na consultoria de imagem é a prática da escuta

A escuta da cliente é o pulo do gato e o grande diferencial do consultor de imagem. Entretanto, só escuta quem se conhece, ou seja, quem encontrou recursos para viver de um jeito com menos cobranças, lidando com os afetos, os sentimentos, as vivências emocionais, se responsabilizando pelas suas experiências. Quando nos damos conta de nossos impasses, problemas e dificuldades temos mais condições de exercitar a escuta.

E por que me interesso tanto pela escuta? Escutar é a ferramenta que eu aprendi a usar durante os meus muitos anos clinicando em psicanálise. Por isso, me cerco de cuidado e de delicadeza para tratar da escuta no método Interno. Mas meus cursos para consultores de imagem não tratam, de forma alguma, do ensino de psicanálise. Me valho da minha formação, e de minha longa experiência clínica, para ensinar as alunas a importância da escuta de suas clientes, habilidade que pode ser aprendida e desenvolvida, porém será sempre singular.

Parto do pressuposto de que o consultor de imagem já domina bem as técnicas, mas o que o diferencia em seu trabalho é a forma como se conecta com a cliente. Conexão que só é possível escutando a pessoa sobre seus pontos vulneráveis. Isso vai trazer resultados mais interessantes, tanto para a cliente, que terá uma identidade visual autêntica, quanto para o consultor, que ao adotar a prática da escuta vai oferecer à cliente benefícios como mais bem-estar com a aparência e autonomia sobre a própria imagem. Coisas que somente a técnica não dá conta de entregar. Como dizia o psicanalista Jacques Lacan, o mais importante na escuta é não compreender cedo demais e nem tentar compreender tudo.

No próximo artigo falo sobre como o método Interno trata e aborda a escuta do cliente, além de dar algumas recomendações para aprimorar esse processo. Quando a consultora de imagem aprende a escutar sua cliente, assim como suas demandas, oferece uma consultoria em que ela terá aprendido não só sobre estilo, cores, formas, composição de looks, visagismo A cliente vai saber também transitar com mais liberdade e autonomia nesse campo complexo e nada fútil da imagem pessoal.

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”