O mundo da moda fez a festa, literalmente, nas quatro principais edições primavera/verão SS22 das marcas de luxo: Nova York, Londres, Milão e Paris. Entre 08 de setembro e 06 de outubro, centenas de desfiles presenciais movimentaram as quatro cidades, marcando o grande retorno pós-pandemia, depois de duas temporadas de lançamentos on-line. Não à toa, acompanhamos as passarelas para conferir cores, estampas, silhuetas, comprimentos, tecidos e por aí vai. O que os designers falaram com suas roupas, acessórios, sapatos, makes, cabelos sobre estes novos tempos? Bom, teve de tudo nas passarelas, porque mesmo antes da crise sanitária, a moda já não detinha o poder de estabelecer tendências como dez anos atrás, por exemplo. Hoje, pessoas inspiram estilistas e marcas, que levam para suas criações repertórios das ruas, da cultura, da arte, do comportamento. De tal forma que diversidade e inclusão entraram no radar da indústria e da mídia. Mas será que a moda, nesta edição, realmente avançou nas questões que envolvem a pluralidade de corpos?

A indústria da moda e da beleza continua imersa no padrão “corpos normais e corpos gordos”. Um consentimento tácito de exclusão nas passarelas, nas campanhas, na mídia, nas redes sociais. As edições recentes das fashion week mostram que estamos dando passos para trás. Você notou que poucas grifes tiveram tops gordas ou curves? Que a estética da mulher magra, e muito jovem, foi a tônica? O que se esperava, na pós-pandemia, era diversidade e inclusão de mulheres reais nas passarelas. Não se trata de uma disputa de medidas corporais, pois deve ter espaço para todo mundo. Por sinal, modelos como Precious Lee, Denvyl Garcia, Paloma Elsesse, Jill Kortleve, por exemplo, são profissionais com atitude, presença e porte nos desfiles tão qual suas colegas. O que leva à pergunta que a consultora de imagem deve se fazer: você anda buscando, impondo ou vendendo o corpo ainda padronizado da indústria da moda à sua cliente?

Adianta a moda levantar as bandeiras de inclusão e diversidade sem esse repertório nos desfiles? Nada contra mulheres magras, magrinhas, etc. Mas vamos combinar que a indústria da moda, estilistas e criadores ainda têm muita influência e o que mostram nas passarelas são também mensagens sobre corpos e sobre pessoas. Falar em diversidade e empoderamento feminino sem representar a pluralidade de corpos é retrocesso. Não dá mais e a consultora de imagem precisa acordar, e se questionar, todos os dias, sobre imposição de padrões, renovando seu olhar para ver e lidar com as mulheres da vida real.

Precious Lee em algumas passarelas Primamavera-Verão SS22: Brandon Maxwell, AZ-Factory, Versace, Lanvin, Moschino, Fendi+Versace (Fendace), Christian Siriano e Altuzarra (Imagens: reproduções)

Nem sei se a expressão plus size ainda cabe quando se fala de moda. Talvez seja o momento de rever também na consultoria de imagem como excluímos e categorizamos nossas clientes ao nomear e classificar em que tipo de estilo se enquadram por suas medidas, curvas ou ausência delas. Mulheres reais são diversas em seus corpos, peso, altura, idade, pele.

Christian Siriano não fez uma passarela apenas com tops curves e gordas, mas foi o estilista que mais dosou pluralidade no casting (todas as fotos do alto). Acima, outras marcas que levaram diversidade aos desfiles, como AZ-Factory, Balmain, Dior, Prabal Gurung e Max Mara (Imagens: reproduções)
Paloma Elsesser (no alto) nas passarelas SS22 da Chloé, Brandon Maxwell, Michael Kors, Lanvin e Gabriela Hearts. Acima, a top Devyn Garcia para Staud, Chloé, Altuzarra, Brandon Maxwell e Gabriela Hearts (Imagens: reproduções)

Afinal, qual o tipo de corpo da brasileira?

Entre 2009 e 2017 o projeto SizeBR, do Senai CETIQT pesquisou o corpo do brasileiro. Mais de dez mil pessoas, entre 18 e 65 anos, foram avaliadas no trabalho. O resultado mostrou, ao contrário da padronização imposta pela moda, a diversidade corporal feminina. Foram mapeados 27 biotipos no estudo antropométrico das 4.133 mulheres do estudo, que destacou os sete tipos mais comuns. Para isso, a equipe utilizou equipamentos de ‘body scanner’, que em menos de 60 segundos captam as medidas do corpo humano: circunferências do busto, cintura, quadril, quadril alto, além do peso corporal.

Ficou bem documentado no SizeBR a variação dos formatos de corpo. E o tipo ampulheta, tão focado pela consultoria de imagem, não retrata a brasileira da vida real, assim como o padrão corporal passa longe da idealizada magreza. As mulheres têm em média 1,61 de altura, 97 cm de busto, 85 de cintura, 102 de quadril e o que prevalece é o biotipo retangular de corpo e pouco curvilíneo: são 76% das brasileiras! Ou seja, aquele modelo de tórax e quadril com medidas proporcionais e cintura fina, tão incensado, está longe da realidade. Segundo o estudo, apenas 6,1% das mulheres da região Sul, por exemplo, têm o padrão ampulheta.

O corpo idealizado é o que a moda ainda vende, enquanto muitas mulheres sofrem com sua aparência, seu biotipo, seu peso. As marcas de roupa adotam discursos em prol da diversidade, mas basta conferir o que oferecem às clientes para comprovar como estão longe da pluralidade de corpos. Pesquisei as “tabelas de medidas” de três etiquetas nacionais, que têm preços bem altos. O resultado não foi nada alentador, já que cada marca trabalha com um padrão de busto, cintura, quadril e sequer têm numeração acima de 42. Em uma delas, por exemplo, o GG veste mulheres que têm 100/busto; 82-84/cintura e 110/quadril. Mas como assim? Imagina como as mulheres da vida real têm dificuldade de encontrar roupas em que se reconheçam.

Os sete principais biotipos corporais da brasileira, de acordo com o estudo do projeto Senai CETIQT

OS 7 PRINCIPAIS TIPOS DE CORPOS DA BRASILEIRA

  1. Ampulheta (Hourglass) – Aparenta ser proporcional a medida entre tórax (busto) e quadril e tem cintura definida e marcada.
  2. Ampulheta inferior (Bottom Hourglass) – Quadril maior do que o tórax, cintura marcada.
  3. Ampulheta superior (Top Hourglass) – Circunferência do tórax maior do que a circunferência do quadril e as medidas tórax/cintura e quadril/cintura produzem uma cintura marcada.
  4. Colher (Spoon) – Determinado pela circunferência do tórax, da cintura, do quadril e do quadril alto, que se define quando existe uma diferença positiva entre as circunferências do quadril e do tórax.
  5. Triângulo (Triangle) – Se aplica quando a circunferência do quadril for maior que a circunferência do tórax e apresenta razão quadril/cintura pequena. Essa forma corporal apresenta uma cintura não marcada.
  6. Triângulo invertido (Inverted Triangle) – Apresenta circunferência do quadril, com razão tórax/cintura pequena. A mulher com esse tipo não tem cintura marcada.
  7. Retângulo (Rectangle) – Apresenta circunferências do tórax e do quadril praticamente iguais, além de uma linha de cintura não muito marcada. Conclui-se que o tórax, a cintura e o quadril estão alinhados uns com os outros.

FONTE – Senai CETIQT – Arte: blog Miriam Lima; imagens: Uploaded by Sergio Bastos (Senai)

Mulheres da vida real: você está pronta de verdade para elas?

Mulheres reais querem expressar seu estilo. Elas gostam de moda, de roupa e lidam com insatisfações relacionadas à aparência e ao corpo. Como já escrevi aqui, ninguém se aceita incondicionalmente o tempo todo. Ou possui uma autoestima inquebrantável, o que é bem diferente de buscar uma imagem padronizada de estética e de beleza, ainda tão disseminadas pela indústria da moda. Qual a mulher quer, de verdade, que sua identidade visual seja determinada pelas medidas da cintura, do quadril, do busto, pelo formato do corpo, por sua idade e por sua raça? Portanto, pense que muitas delas também não aspiram a ser enquadradas em categorias do tipo gorda, magra, alta, baixa, branca, preta, asiática, jovem, madura, velha.

Gordofobia, por exemplo, nem sempre se manifesta literalmente. Mas vale se perguntar e ser bem honesta sobre essas questões:

  • Você acha que uma mulher gorda deve evitar usar determinado tipo de roupa, cor ou estampa porque não seria “adequado” ao seu corpo? Você acha que teria dificuldades em entender e lidar com uma cliente gorda?
  • Uma cliente 50+? Uma cliente preta? Uma cliente trans?
  • Quais seriam essas dificuldades? Elas estão ligadas ao ideal padronizado de imagem? Ou você considera que realmente precisa aprender e desenvolver ferramentas não só para lidar com diversidade, mas também para entender de verdade dificuldades e demandas de imagem de todas as suas clientes?
  • Você anda recitando os mantras de autoaceitação e autenticidade, mas se vê amparada por regras e seguindo técnicas da consultoria de imagem, formuladas há 40 anos, de acordo com os tipos de corpos?
  • Você ainda tenta aproximar o corpo da sua cliente ao tipo ampulheta?

TRÊS COISAS QUE A CONSULTORA DE IMAGEM DEVERIA CONSIDERAR

  1. A imagem idealizada, sustentada pelo tipo “ampulheta”, contribui para a baixa autoestima corporal de mulheres e adolescentes, que não se sentem representadas na moda, na mídia e nas redes.
  2. Na consultoria de imagem temos recursos técnicos para afinar a cintura, reduzir volumes, alongar silhueta. A gente é treinada para isso, mas a não ser que a cliente peça, será que ainda faz sentido enquadrar a pessoa para aproximá-la do tipo ampulheta, considerado ideal?
  3. O que a consultoria de imagem pode fazer em prol da diversidade? Por que ainda existe tanta dificuldade em lidar com clientes que não se encaixam no corpo padrão?

58%

Das meninas e mulheres acham que a indústria da beleza e da moda reforçam ideais restritivos do que é considerado padrão de beleza.

64%

Das entrevistadas se sentem pressionadas a ter uma determinada aparência para se adequar ao que é considerado belo e esteticamente aceitável.

Pesquisa/Movimento Beleza Positiva Unilever, 2021

Autenticidade e estilo pessoal: não ofereça mais do mesmo à sua cliente

Quando falamos em autenticidade na consultoria de imagem parece óbvio que oferecemos isso à cliente. Mas será que é mesmo fácil construir uma imagem autêntica? Esse tema não dá para tirar de letra! Porém quanto mais ampliamos nosso repertório, desfazendo conceitos e pré-conceitos de corpos, beleza, idade, do que seria adequado e belo, mais possibilidades de ajudar a cliente. Por mais que a gente se esforce, romper com estereótipos de aparência e idealização de imagem na consultoria de imagem passa por um longo caminho. Jornada que começa por nós mesmas. Impossível dar um reset do dia para a noite nessa cultura estética introjetada há décadas no cotidiano.

Nossas roupas contam histórias. A vestimenta retrata, ou deveria ser assim, nosso jeito de ser, estar e como queremos ser vistos, o que vai além da moda, porque se trata de estilo, que tem a ver com escolha e imagem pessoal. Então, como ajudar sua cliente da consultoria de imagem? Lembro que a pessoa encontra mais recursos para uma identidade visual mais autêntica quando consegue ter um olhar mais carinhoso, e empático, com seu interno. Afinal, quando estamos distantes de nós mesmas, tendemos a nos comparar, nos tornarmos cada vez mais inseguras, correndo o risco de nos expressar de maneiras que dizem muito sobre pouco sobre nós.

O que não falta é a vida real para inspirar todo mundo com imagens de mulheres reais e diversas em corpo, beleza, estilo. O Pinterest continua uma fonte e tanto para isso

QUEM NÃO QUER SE RECONHECER NA ROUPA E ESTILO?

  • A busca pela autenticidade na imagem e no vestir não se dá sem questionar velhos hábitos, padrões, idealizações.
  • Os resultados de um olhar interno para o estilo pessoal, contudo, compensam as dificuldades iniciais.
  • Um guarda-roupa e uma aparência mais coerentes com os valores e anseios da pessoa, que são únicos, vão ajudar sua cliente da consultoria de imagem a se tornar mais aberta para agir, se vestir e expressar uma identidade visual de um jeito autêntico.
  • Você consegue perceber quando o interno da cliente se reflete na aparência, no guarda- roupa, no comportamento, na comunicação?
  • Fórmulas prontas, amparadas tão somente em técnicas, são arriscadas e via de regra tornam muito difícil ajudar a cliente que busca uma identidade visual e imagem autêntica.

Enquanto uma pessoa não se conectar com seu mundo interno, continuará perdida em sua imagem externa. Autoconhecimento é a base para a gente lidar também com as questões que envolvem imagem

Dois movimentos a favor da pluralidade que fazem muita diferença

Contra padrões de estéticos e de corpos inalcançáveis, movimentos como body positive e body neutrality trabalham em prol do direito à beleza que não se encaixa nos padrões culturais. Valorizar a diversidade e o autocuidado fazem parte disso, assim como livrar as mulheres das pressões sobre a imagem.

  • Body positive – O movimento ‘corpo positivo’ prega o autoamor corporal e ganhou impulso com as redes sociais. Um contraponto às belezas e aos corpos idealizados, ainda tão disseminados nas plataformas. Mas seu surgimento foi no final da década de 1960 e quem o iniciou foi o locutor Steve Post, de Nova York, que organizou uma ação no Central Park para protestar contra a discriminação de gente gorda. Somente em 1996 foi criado na Califórnia o The Body Positive. Mesmo que incentive a autoaceitação, o body positive entende que existe, claro, insatisfações com a aparência. Ou seja, o que se estimula é a pessoa lidar com suas questões. Mas nada contra mudar, sem prejuízos à saúde, o que a pessoa não dá conta de aceitar em si mesma.
  • Body neutrality – Termo que surgiu em 2015 e tem a ver com a neutralidade corporal. O que é isso afinal? Nem todo mundo dá conta de aceitar seu corpo e alguma característica física do dia para a noite. Ou seja, sair da insatisfação com o corpo para o amor positivo é um trajeto e tanto. Body neutrality propõe tirar o foco do corpo como imagem a fim e que a beleza deixe de ser uma obrigação. Afinal, ninguém ama seu corpo e rosto todos os dias e é isso que o movimento propõe: ir além da aparência, sem o dever de alcançar logo o estágio de autoamor.

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”