Trocar e compartilhar ideias, abrir canais de comunicação e diálogo, aprender, conhecer e respeitar os diversos jeitos de estar no mundo são cada vez mais essenciais e urgentes. Não à toa, discursos e práticas sobre diversidade, e o clamor por inclusão, andam pautando debates em várias frentes, dando visibilidade e questionando, por exemplo, a ausência de pessoas negras, e de mulheres, em cargos de direção e chefia nas corporações, nas universidades, na ciência.
Questões de gênero, raça, padrões estéticos, idade estão sendo ressignificados em um caminho, que, mesmo longo, é sem volta. As indústrias da moda, do cinema, da televisão, da publicidade e a própria mídia se vêm às voltas com consumidores, assinantes, leitores, espectadores e usuários que querem se ver representados, sem estereótipos, nas campanhas, produtos, filmes, programas, novelas, reportagens. Vivemos um tempo especialmente efervescente, e nós, profissionais da consultoria de imagem, estamos inseridos nele.
Tudo o que envolve diversidade é urgente. Mas observo que entre nós, da área de imagem, essa temática continua um pouco distante, meio que em reserva, e continuamos focados nos modelos e biotipos da mulher branca, jovem, magra, muitas vezes no padrão europeu. Não digo que é fácil quebrarmos os padrões de nosso próprio olhar, mas não dá para ficar lento nessa questão. Precisamos estar atentos à pluralidade de corpos, rostos, idade, cor de pele, cabelos, ampliar o alcance de nosso trabalho, nos abrir para novas conexões.
Por quê só as silhuetas magras e as jovens podem usar sedas e tafetás?
O tema e a prática da diversidade sempre tangenciaram meu trabalho e minha história de vida. Nos meus vinte anos como psicanalista, nos três dedicados à direção criativa de uma marca de roupa de festa e na consultoria de imagem. Por sinal, na experiência com a moda, embrião para a consultoria de imagem, me vi às voltas com os ditos padrões de mercado, visto que na época eram poucas as modelos negras no casting principal das agências. Elas ficavam meio que escondidas. Me alegro de dizer que reverti esses conceitos na última campanha da coleção, protagonizada por tops pretas e brancas.
Me ocupei também da modelagem das roupas que criava. Eram peças de festa e coquetel desenhadas para diferentes tipos de corpo. Por que só as silhuetas magras e as jovens poderiam usar sedas, tafetás e tantos outros tecidos nobres? Minha jornada na psicanálise, na moda e na consultoria tem em comum a lida com o comportamento humano, o trabalho que envolve gente e minha busca constante pela desconstrução de estereótipos estéticos, culturais e comportamentais.
Que tal ampliar o alcance e as possibilidades de nosso trabalho?
Ao falar de diversidade na consultoria de imagem, não trato de excluir, mas de ampliar o alcance de nosso trabalho, criando novas possibilidades. De adentrar e nos movimentar no mundo real, feito de mulheres e belezas diversas. Me lembro, por exemplo, do último desfile Versace (25/09, Milão), quando a marca rompeu seus próprios paradigmas de corpos esculturais nas passarelas. No lançamento da coleção, inspirada na vida marinha, repleta de peças sensuais e corpos em evidência, espaço, finalmente, para modelos de formas exuberantes e volumosas, até então ausentes do casting da grife.
Sob este prisma, o lançamento da coleção mostrou que Donatella Versace entendeu o recado de que a indústria da moda precisa romper com a estética da magreza como referência de corpo, levando também para a passarela a beleza em todos os tons de pele na bem-vinda pluralidade de etnias. Não existe corpo perfeito e quando uma marca tão poderosa mostra isso para o mundo, vejo como um sinal de que vivemos realmente novos tempos.
PARA PONTUAR
- No Brasil mais de 55% da população se declara preta ou parda
- Aproximadamente 28 milhões de mulheres têm entre 40 e 64 anos de idade
- A faixa etária feminina de 20 a 39 anos soma pouco mais de 35 milhões
- Esses dados, que são do IBGE, mostram que existe um mundo muito além do que nossa vista alcança
- Mundo povoado por mulheres que se recusam a continuar invisíveis
- Mulheres com suas experiências singulares de vida com suas dores, alegrias, amores, se cuidam, trabalham, estudam, empreendem
- Mulheres que consomem, movimentam a economia, e são as clientes que, muitas vezes, nós consultores de imagem, lamentamos não ter
Como quebrar paradigmas em prol da pluralidade?
Será que não estamos excluindo ou ignorando a diversidade feminina quando não tocamos nas questões eu envolvem a diversidade? Como nós, consultoras de imagem, vamos quebrar nossos próprios paradigmas em prol da pluralidade? Pesquisando, escrevendo, falando, conversando e se possível propondo e participando de encontros sobre temas que envolvem a diversidade.
Afinal, o que é valor para uma mulher mais velha? O quanto se sente frustrada uma mulher gorda para os padrões da indústria, que ainda insiste em lançar coleções apenas para corpos magros? Quais as dores de ser negra em uma sociedade preconceituosa? Ou de ser uma mulher madura e enfrentar estigmas da idade? Precisamos nos abrir genuinamente para um universo feminino plural, rico e cheio de indagações.
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Se o profissional da consultoria de imagem, não se capacita e desenvolve uma prática para entender os embates com a aparência e as necessidades de uma mulher de 50 anos, como vai desenvolver um trabalho para essa cliente?
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O entendimento do mundo de nossa cliente, que é essencial para uma consultoria de imagem autêntica, só acontece quando nos dedicamos a entrevistas minuciosas e detalhadas, que permitem conhecer um pouco mais essa cliente. Isso só é possível com a escuta das reais demandas da pessoa
Espaço das profissionais 50+ na consultoria de imagem
Conheço poucas mulheres, na minha faixa etária, trabalhando na consultoria de imagem, assim como conheço poucas consultoras de imagem negras. Mas elas existem, são valorosas, competentes, criativas. Embora não tenha informações exatas e dados estatísticos sobre o universo profissional das consultoras de imagem, baseados em idade e etnia, me parece que ainda estamos refletindo um espelho meio embaçado de uma boa parte da sociedade, que ainda discrimina e rotula pessoas.
Não por acaso, algumas empresas estão reformulando seus protocolos de contratação. Descobrindo que pessoas de repertórios diferentes favorecem a inovação, aumentam a conexão com os consumidores, ampliam mercados. Enfim, a diversidade, além de tudo, dá lucro, como afirmou Maurício Pestana, coordenador do Fórum Brasil Diverso, em entrevista ao Estadão.
O jornal publicou uma reportagem muito interessante sobre corporações que estão se movimentando para incluir profissionais negros, homens e mulheres, em cargos de direção e de gerência, atendendo ao novo perfil de seus consumidores, mais exigentes e ligados a questões de inclusão racial, diversidade de gênero, meio ambiente. E, claro, há mulheres, aqui e no mundo, bem sucedidas, embora ainda raras, no mundo corporativo. Um exemplo? A norte-americana Mellody Hobson, 51 anos, profissional influente e ativista da diversidade.
Como construímos e nutrimos nossa intolerância?
Impossível falar e debater questões de diversidade, sem refletir sobre nossa própria intolerância ao que é diferente de nós – o que envolve na consultoria de imagem também as dificuldades que temos em relação à pluralidade de corpos, rostos, cor da pele, idade de nossos clientes e de nossos pares. A intolerância que temos com as diferenças de qualquer natureza ainda é gritante. Me pergunto se não estamos roubando a humanidade de quem é diferente de nós.
E como construímos e nutrimos nossa intolerância? Há uma consideração de Sigmund Freud, fundador da psicanálise, que atravessa toda sua obra e é extraída de sua experiência clínica, sobre o quanto é difícil para o homem viver em sociedade. Se por um lado, nós, seres humanos, precisamos do outro para nos constituir, esse outro pode ameaçar a integridade do nosso eu, já que compartilha de características muito semelhantes àquelas que reprovamos. Por isso buscamos expulsar de nós mesmos.
Um outro aspecto marcante das dificuldades que temos com nossos semelhantes, cabe lembrar sempre, diz respeito as “pequenas diferenças”, e não as diferenças radicais, que no fundo remetem aos nossos próprios pontos cegos, que não nos agradam e escondemos de nós mesmos. Ou seja, o que difere de mim, e ao mesmo tempo me habita, é vivido como uma ameaça e respondo com a intolerância. Isso é o que Freud denominou de “estranho familiar”, um secretamente familiar que vive em nós inconscientemente, mas que retorna, distorcido na realidade, na forma de intolerância, preconceito e hostilidade.
O QUE TENHO FEITO PARA ME CONECTAR A ESSE VASTO E DIVERSO MUNDO
- Repenso minhas práticas para trazer a diversidade para mais perto do meu cotidiano
- Revejo sempre o que escrevo nos meus artigos e o que publico nas minhas redes sociais, procurando mostrar a diversidade e pluralidade de rostos, corpos, idade, tons de pele, tipos de cabelo
- Nas redes sociais sigo e troco experiêncas com pessoas incríveis, e diferentes de mim, para aumentar meu repertório e minhas interações
- Cultivo relações com pessoas que expressam alguns pontos de vista diferentes do meu. Coincidimos em aspectos essenciais, a intolerância preconceitos é um deles
- Participo, proponho e organizo encontros e bate-papos sobre diversidade, pluralidade, inclusão, sustentabilidade
- Invisto, desde a juventude, em me conhecer, que é conhecer esse desconhecido que me habita, o que vem da minha formação psicanalítica e da prática clínica na psicanálise. Isso fez e faz uma enorme diferença em meu trabalho na consultoria de imagem