Será que ainda faz sentido na consultoria de imagem, quando falamos cada vez mais em identidade visual autêntica, seguir definições padronizadas de elegância? Como você lida com a queixa da cliente de que não tem bom gosto? Apesar de corriqueira em nosso processo de trabalho, essa ‘certeza’ é permeada pela subjetividade da pessoa. Ela pode se sentir inadequada com as roupas que usa por ‘N’ motivos, inclusive por buscar modelos idealizados, nos quais não se encaixa. São muitas as variáveis que atravessam essa questão, algumas delas inconscientes. Afinal, como ajudar a cliente nesse impasse?
Definições de gosto e mau gosto estão cada vez mais diluídas também na moda e no vestuário. Até poucos anos atrás, as revistas publicavam listas de ‘in’ e de ‘out’ para guiar leitores em suas escolhas de roupa, acessórios, cabelo, make. Depois vinham os itens ‘tem que ter’ da temporada, da bolsa eleita it bag às padronagens, shapes, tecidos, cores e volumes das peças. Jornalistas da área, estilistas e marcas, mesmo que aos poucos e bem devagar, andam ressignificando os conceitos sobre estilo, elegância, gosto e consumo, adotando narrativas menos padronizados. E a consultoria de imagem, está? Se gosto não se discute, por que ainda falamos, classificamos e conceituamos o que seria mau gosto?
Basta correr os olhos pelo Instagram para ver que a consultoria de imagem ainda foca muito em regras, que questiono cada vez mais. Será que minha cliente ainda quer tanta imposição? Uma coisa é a cliente transitar por um jeito mais clássico ou formal de roupa e acessório. Outra bem diferente é quando a pessoa mostra, ou esconde, alguma insatisfação com a aparência, ou dificuldade com vestuário, e impomos nossa visão de elegância. Sabe aquela história de querer ser modelo de imagem e estética para alguém? Nada mais danoso e arriscado em nosso trabalho.
Pandemia está ressignificando também o vestir
Ainda vejo muito na consultoria de imagem dicas e até cânones do que seria bom gosto. Que, por sinal, estão caindo por terra. Entendo que o vestir está sendo revisto por todo mundo com a pandemia, inclusive com demandas de mais conforto. A legging, por exemplo, virou o jogo, está nas revistas de moda, no Pinterest e nas ruas como peça para ir trabalhar, passear, se divertir. E com salto alto. Assim como o moletom e as calças cargo. E não existe idade ou corpo que mais ou menos adequado. Pouco menos a obrigação de adotar determinadas peças e looks. Estilo e bom gosto têm a ver com atitude, o que vale para a roupa, o acessório, a make, o cabelo. O tal ideal de elegância associado a cores neutras na roupa, por exemplo, ficou antiquado, porque cada pessoa pode desenvolver com o tempo, seu próprio estilo.
A construção do estilo pessoal passa pelo entendimento de quem somos
Não se constrói uma identidade visual autêntica quando a pessoa se sente uma estranha em suas escolhas de imagem. Sem contar que os mantras do “vestir-se bem” ainda são repletos de contrassensos, indo do ‘vista-se de acordo com sua idade’ ao ’evite 10 peças que envelhecem’. Transitar por regras de estilo? Estilo pessoal é um processo complexo, que pode levar tempo, que tem a ver com o quanto a pessoa se conhece e isso vai além de seguir tendências. Quantas clientes na consultoria de imagem não se sentem confusas sobre o próprio estilo ou até mesmo afirmam que não possuem estilo? Pois é! Quando estamos distantes de nós mesmas, tendemos a nos comparar, nos tornarmos cada vez mais inseguras e a nos expressar de maneiras que dizem muito pouco sobre nós e quem somos.
Quando falamos de roupa não tem jeito de não falar de moda, tendências, silhuetas e tudo o mais que envolve vestimenta. De referências e influências. As fontes de inspiração são muitas e diversas: revistas de moda, Pinterest, Instagram, Tik Tok – não à toa, publicações como Harper Bazar, Vogue e outras abriram contas na plataforma.
A rede criada em 2016 pela multinacional chinesa ByteDance tem cerca de 1,23 bilhão de usuários e se tornou um canal de tendências também em moda, beleza, comportamento, estilo de vida. O pano para manga entre Geração Z x Millenials x cringe, em junho, mostra isso. Os sites de streetstyle mostram as ruas do mundo. Quanta gente interessante anda por aí com looks personalíssimos. Eu bebo dessas fontes para ampliar meu olhar sobre jeitos de ser, estar e se vestir, desconstruindo algumas regrinhas clássicas de elegância e bom gosto, sem abrir mão do meu estilo pessoal, que não poucas vezes difere dos desejos e necessidades de minhas clientes. Isso passa longe de me colocar como modelo delas.
O LUGAR DA TÉCNICA
- E como fica a técnica neste mundo em movimento em que se busca uma identidade visual genuína? Me valho das técnicas depois que entendi minha cliente, suas dificuldades e dores relativas à imagem, seu momento de vida, sua relação com aparência e vestuário.
- A imagem é apreendida por partes. O que uma determinada cliente percebe e vê no mundo é diferente do que uma outra compreende.
- Não tenho a pretensão de entender tudo sobre a imagem da cliente, nem considerar que posso trabalhar toda sua identidade visual.
- O que avaliamos que a pessoa deva mudar, passa antes pelas demandas de mudança da própria cliente.
- Uma cliente pode ir para a consultoria de imagem e solicitar uma mudança que pareça banal, de menor importância aos nossos. Ainda assim não perco de vista que é a cliente quem decide o alcance e os limites do processo.
ISSO AINDA VALE?
- Vista-se de acordo com a idade.
- Truques para alongar a silhueta, afinar a cintura etc.
- Saia mídi proibida para mulheres mais baixas ou ‘escolha a saia certa para o seu corpo’.
- Minimalismo como única referência de elegância.
- Alertas sobre uso de estampas e mistura de estampas. Se a mulher foi gorda o nível sobe para alerta máximo
- . Vestido de festa e rasteiras não combinam.
- Vestido de seda não combina com tênis.
- Mulheres altas devem evitar saltos altíssimos.
- Peças esportivas e tênis só para academia. Ternos elegantes são sempre em tons neutro.
- Não misture preto com marinho.
- Mulheres mais velhas não devem usar abotinados ou coturnos.
O que é elegância? O que é excesso? O que é kitsch?
Criadores como Alessandro Michele, que assumiu a Gucci em 2015, colaboraram nos últimos para subverter as noções de bom e mau gosto na moda e no estilo pessoal. Sua primeira coleção feminina para a grife (2016) deu o que falar, misturando décadas e referências: mega plataformas, sapatos Mary Jane, óculos de design retrô, meias coloridas (transparentes ou soquetes), looks lady like, couro, decorativismo, texturas, babados, paetês multicoloridos, looks em pink e amarelo da cabeça aos pés, plumas, prints com aplicações de pássaros, panteras e outros bichos, algumas estampas assinadas pelo artista Trouble Andrew. O estilista se valeu especialmente dos anos 40 e 70, misturando tudo a seu a bel prazer – do retrô aos ternos em vermelho, vestidos comportadinhos, longos transparentes. Ou seja, fez uma pequena revolução e colocou em xeque conceitos de elegância no luxo, o que é excesso, o que é kitsch. Um efeito e tanto e desde então um divisor de águas no estilo Gucci.
De lá para cá, a indústria da moda começou a inverter a equação no prêt-à-porter, levando para suas criações algo do estilo das ruas. Com as redes sociais, consumidores começaram a assumir o protagonismo do que vestir, uma disrupção do poder das grifes. No processo questionando modelos impositivos de bom gosto e elegância, vieram outros, muito importantes, como diversidade de corpos, idade, raça, gênero, consumismo. O que é bom gosto e o que é mau gosto? Gosto é totalmente subjetivo e individual ou envolve também as histórias de vida, crenças, valores, educação? Nosso repertório imagético, que inclui a estética, está ligado aos influenciadores, que começam na infância, pela família, passam pela escola, vizinhança, amigos e outros grupos sociais. No vestir, esses influenciadores não costumam permanecer por muito tempo, mas deixam suas marcas. Sejam elas por um período da vida ou por toda a vida.
O filósofo francês Pierre Bourdieu (1930 – 2003), um dos maiores pensadores do século 20, investigou a formação do gosto cultural dos indivíduos e publicou nos anos 1970 o estudo Anatomia do Gosto, estabelecendo que o gosto é permeado pelo meio em que se vive, indo, portanto, além de uma construção individual. Nesse estudo, ele considera que não existe bom ou mau gosto, que os conceitos de bom são determinados pela elite para se distanciar esteticamente das classes socialmente menos favorecidas. Para o filósofo, essas distinções seriam uma estratégia para distinguir, e classificar hierarquicamente, o gosto cultural por segmentos sociais.