O estresse causado pelo mundo do trabalho tem chegado a índices alarmantes. Segundo uma pesquisa da Associação Internacional de Gerenciamento de Estresse (Isma Brasil), 70% da população brasileira já apresentou ou já teve sintomas de estresse, sendo que, dessas pessoas, 69% declararam que o trabalho era a principal causa. Para reverter esse quadro e inspiradas pelos cases de sucesso do Vale do Silício, algumas empresas transformaram seus ambientes de trabalho, oferecendo cargas de horário diferenciadas, jogos, bebidas à vontade e, para exaspero de muitos, flexibilizaram o dresscode (código de vestimenta).
Mas afinal, basta permitir que os colaboradores usem suas tatuagens e roupas despojadas para ter um clima mais sadio e produtivo nas empresas? Como nós, profissionais da imagem, podemos ajudar as empresas nessa transição?
Mudanças no dresscode podem parecer banais para quem desconhece o impacto da imagem sobre os indivíduos. Como consultora de imagem, e diante da minha trajetória na psicanálise, posso afirmar que a vestimenta exerce grande influência sobre a autoestima e a produtividade dos colaboradores.
O vestuário e as desigualdades no ambiente de trabalho
Em alguns locais, o dresscode continua a causar ansiedade entre colaboradores e a escancarar problemas como as desigualdades raciais e de gênero. Em 2016, tornou-se famoso o caso da recepcionista Nicola Thorp, que foi mandada para casa por ter se recusado a usar saltos altos. Sabiamente, ela alegou aos seus superiores que seus colegas de trabalho homens não recebiam a mesma cobrança.
Para as mulheres, as dúvidas e anseios aumentam, pois se o traje masculino de um ambiente corporativo é mais delimitado (geralmente, ele é constituído por um costume ou pela dupla calça social + camisa), para as mulheres as regras são bastante subjetivas. Ou seja, o que é considerado inapropriado varia de ambiente para ambiente.
Além das disparidades de gênero há de se considerar também as diferenças raciais. Quantos homens e mulheres negros não se sentem acanhados de usar a textura natural de seus cabelos em escritórios e ambientes corporativos, bem como os adereços que demarcam a sua fé? As diferenças não se resolvem na padronização, que na verdade apenas as tornam mais evidentes.
PENSE SOBRE ISSO
- Vale também ressaltar que a exigência do traje corporativo também pode ser um impeditivo para muitos talentos.
- É compreensível que muitos cargos exijam maior formalidade, mas quantas pessoas não se sentem intimidadas por não poderem arcar com os custos de trajes sociais?
- Será que as empresas que exigem esse tipo de vestimenta oferecem condições — não apenas financeiras, mas também instruções claras — para que seus colaboradores possam e saibam sustentar o visual que determinam?
- Essas são questões essenciais para quem deseja estabelecer um dresscode que auxilie na manutenção de um ambiente sadio.
Flexibilização é sintoma da mudança; não ponto de partida
Um estudo da Style Compare, citado pela BBC, apontou que 61% dos entrevistados não viam impactos positivos do dresscode em suas produtividades. E 45% dos entrevistados afirmaram se sentir mais produtivos enquanto usavam roupas e adereços os faziam se sentir confortáveis. Contudo, a flexibilização do dresscode, por si só, não trará impactos significativos na produtividade e no bem-estar dos colaboradores se sua empresa não refletir sobre o impacto dos valores que ela dissemina, interna e externamente.
A flexibilização do dresscode não significa, de modo algum, que os colaboradores estejam autorizados ao desleixo, seja com a aparência ou com a própria postura. Especialmente em ambientes com grande presença de colaboradores jovens é comum que muitos se sintam confusos sobre como se portar diante de seus superiores. Quem se lembra do episódio em que, durante uma festa à fantasia de uma multinacional, um colaborador usou uma fantasia ofensiva e acabou demitido por isso?
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Diante dessas circunstâncias, nós, consultores de imagem, enfatizamos a importância de que, seja para um ambiente flexível ou para o mais formal, a empresa esclareça as diretrizes de sua cultura corporativa.
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É preciso que a empresa ofereça instruções aos seus colaboradores e zele para que todos ajam de acordo com os valores que ela afirma defender.
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Assim, dentro das diretrizes da marca, os funcionários podem se expressar com autenticidade, sem se sentirem desamparados ou ferirem algum código de conduta.
A importância da cultura da empresa nos processos de mudança
Como comentei em meu artigo sobre a flexibilização do dresscode, o código de vestimenta é uma das etapas mais importantes da construção de uma marca, porque ele é parte do conjunto de elementos que compõem essa identidade. Para adotar um código de vestimenta mais despojado, por exemplo, vale ressaltar que o empreendimento esteja preparado para disseminar esse valor. Não adianta flexibilizar as regras se a cultura de sua empresa não está preparada para abraçar expressões mais diversas, o que pode exigir investimentos em formação e agregará mais conhecimento aos colaboradores.
Portanto, assim como afirmo em minhas turmas do curso “Autoconhecimento para consultores de imagem – método Interno”, todo o processo de expressão de uma imagem mais autêntica parte de um profundo conhecimento sobre si, e, para o cenário corporativo, meu conselho é o mesmo. Pensar o código de vestimenta, seja para um ambiente formal ou mais flexível, é traçar estratégias para que os valores da marca sejam manifestados de uma maneira coerente, o que não envolve apenas roupas, mas também atitudes. É essa coerência de valores e a contínua capacitação que tornam o ambiente de trabalho mais sadio e diferenciado.
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