A pandemia do novo coronavírus pegou a todos nós de surpresa, sacudiu nosso mundo interno e continua impactando e transformando nosso jeito de viver, de trabalhar, de nos comunicar. Mas que cenários já começam a emergir e devem se impor no mundo pós-pandemia para o consultor de imagem? Foi com essa inflexão que abri minha participação no Fipi Brazil Inspiring (*), quando abordei o tema “Consultoria de Imagem Além das Técnicas: como Entender o Cliente”, tema que não trata de forma alguma de deixar em segundo plano a importância da técnica.

Meu objetivo foi lançar luz sobre um aspecto que considero cada vez mais relevante, que é entender mais profundamente nosso cliente, seus desejos de imagem, bem como seus anseios e dificuldades. Se já era importante antes da Covid-19, o tema tornou-se urgente para profissionais que querem se diferenciar no mercado, lembrando que nosso trabalho é também vestir pessoas. É sobre gente!

Vários futuristas, bem como antropólogos e pesquisadores, que acompanho há um bom tempo, afirmam que a pandemia do coronavírus funciona como um acelerador de futuro. A pandemia está antecipando mudanças que já estavam em curso, como o trabalho remoto, a educação à distância, a busca por um jeito de viver com mais propósito, mais sustentável, a busca de bem-estar físico e emocional, ampliando também os debates sobre representatividade, diversidade, inclusão.

Nos conhecer mais profundamente amplia nossas possibilidade de escolhas na vida. E na cultura tecnológica, onde nos movimentamos cada vez mais, investir no autoconhecimento também nos protege do poder dos algoritmos, para que eles não nos definam, pensem e decidam por nós em um futuro próximo.

A interface entre tecnologia e autoconhecimento ocupa o trabalho de pensadores como o filósofo e historiador Yuval Harari. Ano passado, em uma palestra sobre inovação, aqui no Brasil, ele alertou que os algoritmos vão se tornar cada vez mais sofisticados e permitirão que, em poucos anos, se ficarmos desavisados, gigantes da tecnologia de informação, das redes sociais, empresas e até mesmo governos manipulem nossas escolhas e decisões. Harari sugeriu aos participantes que invistam no autoconhecimento. E a minha sugestão para o consultor de imagem também é “conhece-te a ti mesmo”.

Fico me perguntando para onde vamos e como nos haver com o antes, o agora e o depois da Covid-19. Existe um novo normal? O que seria normal antes, quando grande parte das pessoas já não aceitava padrões e normas de comportamento, de aparência, de sucesso? Não à toa, lives e canais de psicanalistas consagrados ganham cada vez mais audiência. Estamos tentando entender os efeitos subjetivos do confinamento, nos perguntando de que forma lidar com nossas fragilidades e medos, em busca de pertencimento. Enquanto isso, seguimos sem muitos contatos físicos, sentindo a falta que um abraço afetuoso faz.

Estamos e vamos continuar mais fragilizados neste mundo, que já não é o mesmo

E por que estou falando de mundo pós-pandemia? O que isso tem a ver com a consultoria de imagem? Na pós-pandemia, nossos clientes vão estar mais fragilizados de todas as formas, sobretudo emocionalmente. Ao mesmo tempo, nossos clientes vão estar também mais exigentes. Na verdade, estamos todos mais fragilizados desde o começo do coronavírus. Difícil é que não fosse assim.

Problemas de depressão e ansiedade, entre outros, aumentaram quase 80%, e as mulheres são mais sensíveis a esses quadros. Os especialistas alertaram para o crescimento exponencial dos casos e do risco de uma população emocionalmente instável por meses e até anos como marca da pandemia. Depois de grandes tragédias, o mundo não permanece o mesmo. Não viveremos do mesmo jeito ou manteremos todos os hábitos de antes. E a história comprova isso. Pode ser desafiador, mas é a realidade com a qual temos de lidar.

“Pandemias são como traumas, ficam marcados na cultura, nos nossos corpos e mentes”. Eu também acredito nisso, ninguém vai sair ileso dessa pandemia, o que difere é como cada um de nós lida com essa situação, o que tem a ver com o quanto a gente se conhece mais ou menos”

MICHEL ALCOFORAD, ANTROPÓLOGO PAULISTA

De que forma queremos que a consultoria de imagem cresça?

Ainda estamos na pandemia, praticando o distanciamento social, usando máscaras. Vivemos um interlúdio do antes e depois da Covid-19. Nosso agora é uma espécie de compasso de espera, embora toquemos a vida trabalhando, estudando, tentando nos divertir um pouco. E como a consultoria de imagem vai continuar a crescer no mundo pós-pandemia? Isso depende de nossos investimentos em práticas genuinamente humanizadas. Depende do investimento em nós mesmos. De renovarmos nosso repertório, aliando a expertise técnica a um entendimento mais profundo dos entraves de imagem do nosso cliente, por exemplo.

Nos últimos meses, sobretudo no início do coronavírus, vi algumas consultoras de imagem se perguntando qual o sentido do nosso trabalho, se a consultoria de imagem permaneceria no mercado, se a profissão não seria afetada. Elas pareciam desanimadas. Eu jamais tive dúvidas quanto a isso: a consultoria de imagem vai permanecer no mercado. Mas fica a pergunta: de que forma queremos que a consultoria de imagem cresça? Como vamos inserir nosso trabalho no novo mundo pós-pandêmico?

Nossas habilidades humanas são nosso diferencial na sociedade tecnológica

s técnica são fundamentais e alicerçam nosso trabalho. Mas acredito que ir além das técnicas vai nos diferenciar no mercado da consultoria de imagem. É possível entender o nosso cliente sem entender o mundo em que estamos vivendo? Não, não é possível. O mundo quer mais humanização. Ou seja, uma consultoria que vai além, que ofereça um serviço personalizado e que entregue uma expressão visual autêntica.

Para isso também precisamos, claro, de uma boa técnica, de dominar testes de cores, técnicas de visagismo, de propor um guarda-roupa que atenda cada cliente em suas necessidades, expectativas, singularidades. Lembro que a Inteligência Artificial, que já chegou em nossas vidas, já pode oferecer experiências virtuais de estilo, guarda-roupa, cabelo, make. A C&A, por exemplo, lançou o projeto de uma plataforma para essas experiências. Isso mostra como ir além da técnica em nosso trabalho importa cada vez mais.

As habilidades humanas, chamadas soft skills no mundo corporativo, estão no radar dos profissionais de recursos humanos das empresas. Habilidades que estão sendo cada vez mais valorizadas nas empresas e são essenciais em nosso trabalho na consultoria de imagem. Destaco a criatividade, o pensamento crítico e reflexivo, como aqueles que o consultor de imagem deve se esforçar para desenvolver. Vejo o autoconhecimento como a “mãe” de todas as outras habilidades, pois sem o conhecimento de nós mesmos fica mais difícil desenvolver a criatividade e o pensamento crítico. Como o consultor de imagem vai se diferenciar sem eles?

Temos que fazer diferença na vida das pessoas. Pensar em abordagens humanizadas, que de fato façam essa diferença. Não importa se estamos fazendo uma consultoria pessoal, profissional ou dando um curso. Temos que querer mais, temos de entregar mais, indo além da prestação de serviços para oferecer benefícios para o cliente.

“Esse tal de encantar o cliente, palavra tão da moda, no nosso caso, na consultoria de imagem, tem a ver com verdade e autenticidade”

Trabalhamos com aparência, comunicação, roupa, comportamento. Mas a humanidade vem do interno

Somos consultores de imagem e trabalhamos com o externo, aparência, comunicação, roupa, comportamento. Mas a humanidade vem do interno. Quando falo de vulnerabilidade e fragilidade, estou falando das nossas também, já que ao lidarmos com as dificuldades da cliente em relação a sua imagem, invariavelmente nos defrontamos com as nossas. Não existe fórmula pronta ou questionário padrão para entender o cliente.

Então, se tem uma dica que posso dar, o ponto de partida para o consultor de imagem entender mais seu cliente, é investir no seu autoconhecimento. São muitos os caminhos e cada um de nós deve buscar o que considera melhor. Quanto mais dispostos a nos aprofundar nessa jornada interna, melhor serão os resultados.

Sempre conduzi meu trabalho na consultoria de imagem ampliando o foco no cliente e na compreensão mais profunda do que ele quer comunicar com sua imagem. A roupa é nossa segunda pele e pertence, por sua vez, ao nosso lado de dentro e ao nosso lado de fora. Falar de gente é falar de subjetividade, é falar do que não é objetivo, como as técnicas que utilizamos no trabalho não são subjetivas. As dificuldades de imagem diferem de pessoa para pessoa. Mesmo que essa dificuldade seja semelhante, cada um tem sua história de vida, que é única.

1

Trabalho sempre com o relato e a palavra do cliente e a percepção que ele tem de sua autoimagem.

2

Com isso, não concluo cedo demais sobre a imagem dele.

3

A imagem muitas vezes é ilusória.

4

Nós, consultores de imagem, precisamos escutar, escutar, escutar atentamente nosso cliente. O que significa ir além de ouvir.

5

Significa, entender, por exemplo, porque o cliente não se reconhece na própria imagem. Ou porque não gosta da imagem que vê no espelho”

Você quer ver seu cliente satisfeito? Saiba lidar com o imprevisível

As técnicas de consultoria de imagem importam muito, claro. Contudo, acredito que utilizar as técnicas de acordo com o texto e contexto de vida do cliente faz toda diferença. Sempre é o cliente quem verbaliza suas dificuldades imagéticas. Neste terreno não cabe ao consultor, que preza pela prática humanizada, avaliar o cliente pelo que ele está vendo. A meu ver, nada mais desumano.

Pessoas não vêm com roteiros pré-estabelecidos. E o que podemos encontrar ao longo de um processo de consultoria de imagem, e em qualquer outro que envolva a subjetividade humana, pode nos surpreender positivamente. Lidar com o intangível e o imprevisível, que aparecem durante a consultoria de imagem, quando estamos dispostos a trocar os scripts fechados de entrevistas pelos abertos, certamente enriquecem e ampliam nossa compreensão do cliente. E produzem resultados melhores e mais genuínos, já que cada pessoa é única!

Acredito que todo consultor de imagem quer entregar um trabalho de excelência, que atenda o cliente, o deixe satisfeito em suas demandas de identidade visual, se sentindo bem e à vontade na própria pele. Mas nós, da consultoria de imagem, sabemos, a partir de nossas experiências, que não existe nem cliente, nem consultor de imagem, nem situação perfeita. Muitos menos ideal.

(*) O Fipi Brazil Inspiring aconteceu em 14/11/2020, em edição virtual. No evento promovido pela FIPI, da qual sou representante em Minas Gerais, foram abordados diversas questões em várias mesas temáticas. Apresentei na minha mesa o tema “Consultoria de Imagem Além das Técnicas: Como Entender o Cliente”. Assunto em que levei ideias e perspectivas que atravessam a prática de meu trabalho

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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