Dá para atender as demandas da cliente e ao mesmo tempo trabalhar em prol de uma consultoria de imagem mais conectada ao consumo consciente? Como equilibrar os pratinhos quando lidamos com alguém com peças no armário que nunca usou, e mesmo assim quer mais roupas, mais calçados, mais acessórios? Não existe fórmula, mas possibilidades que podem fazer diferença para a cliente que busca uma identidade visual autêntica, expressando seu estilo com um guarda-roupa em que se reconheça. Isso não se dá sem que a gente entenda a relação da cliente com seu corpo, seu vestir, seu momento de vida.

Estilo não é um rótulo ou algo fixo: acompanha hábitos, pensamentos, referências, muda ou evolui com a pessoa. A moda faz parte disso, adquirir novos itens também, assim como ajudar a cliente a ter um olhar atento ao que ela já tem para compras mais assertivas. Vivemos em uma cultura onde se compra mais do que se precisa, criando a valorização da pessoa quando ela usa a “última tendência”.

Que sentido faz trabalhar estilo pessoal se não conseguimos aliar nossas técnicas em prol do consumo consciente? Ajudar a cliente com sua coloração pessoal, modelagens, silhuetas, sem considerar os excessos do guarda-roupa não muda nada na vida dela e sua relação com a imagem. Uma das principais funções da consultora de imagem hoje é alinhar à sua técnica as práticas sustentáveis no vestir. Temos muito a fazer para educar a cliente. É um longo caminho e para dar conta dele procuro me capacitar para aprender mais sobre consumo consciente. Uma questão complexa que envolve muitas coisas, por isso meu objetivo pessoal é comprar cada vez menos, e levar minha cliente a se questionar sobre seus excessos, conduzindo um trabalho para que ela saia da consultoria revendo e questionando seu jeito de consumir.

Precisa mesmo de um armário lotado para se vestir bem? Fazer bons arranjos com as peças que existem no armário, propor soluções criativas, ser mais comedida nas compras. Dá para propor estilo pessoal autêntico e consumo consciente em nossos atendimentos na consultoria de imagem.

Muitas clientes não sabem quanto custa para o planeta suas roupas, sapatos e acessórios. Eu posso levar para a cliente informações e a cultura da sustentabilidade, mas vejo também que estamos longe dessa discussão na consultoria de imagem

A “Carta da Moda” em Glasgow e nossa parte nessa engrenagem

Não à toa, a COP26, que aconteceu em Glasgow, deu uma visibilidade gigante à moda. Nunca se falou tanto sobre os efeitos dessa indústria no meio ambiente, cobrando que grandes marcas assumam compromissos e metas para mudanças em seus modelos operacionais. Que comecem efetivamente a agir, reduzindo as emissões de carbono, adotando práticas sustentáveis em toda a cadeia de produção, investindo em pesquisas, tecnologias e fontes renováveis de energia para um baixo impacto ambiental.

Para profissionais da consultoria de imagem, se tem uma lição de casa a ser feita é entender que fazemos parte dessa engrenagem, já que nosso trabalho inclui o guarda-roupa da cliente. Um dos compromissos das 130 empresas que assinaram a “Carta da Moda” em Glasgow é a redução das emissões de carbono e agir para conter padrões insustentáveis de consumo. Posso dizer que a consultora de imagem pode colaborar um pouco nesse quesito. Como? Me acompanhe aqui!

Nem preciso lembrar que “uma andorinha só não faz verão”. Por isso nós, profissionais de imagem, deveríamos pisar menos em ovos, nos informar mais e melhor sobre os efeitos do consumo excessivo de roupas e itens de moda, usando as técnicas da consultoria para propor soluções de estilo mais criativas para as clientes. Isso passa longe de desconsiderar suas demandas. Muita gente ainda acredita que a consultoria de imagem se resume a colocar todo o armário abaixo e a um grande banho de loja. Meu trabalho na consultoria de imagem passa por um exame atento do que a cliente já tem. Mais criatividade, menos compras!

No que envolve o guarda-roupa, sugiro à  cliente que olhe atentamente suas peças, considerando:

  • Tem alguma peça que conte muito sobre você? Pense nessa história.
  • Quais são as cores predominantes?
  • Há mais cores neutras ou peças coloridas?
  • Tem muitos itens sem uso? Quais? É possível doá-los?
  • Quais são os itens que mais usa? Por quê?
  • Quais são suas inspirações? Que itens as pessoas que te inspiram usam e podem ser incorporados em seu guarda-roupa?
  • Há mais partes de cima ou debaixo?
  • As partes de cima conversam com as debaixo?
  • Tem mais peças para o lazer ou para o trabalho ou não existe essa diferenciação?
  • Os sapatos conversam com as suas roupas do jeito que você quer?

O vestir, a roupa e novas direções para um estilo pessoal autêntico

A partir desse diagnóstico ajudo minha cliente a pensar em novas direções para a sua expressão visual, comprando o que achar necessário, reformando algumas peças, doando, trocando ou vendendo outras. Tudo seguindo e assumindo suas vontades, referências, limites e história. Ao incentivar um olhar mais atento da cliente para seu guarda-roupa, ela pode entender um pouco mais a representação do vestir em sua vida. Um passo importante para uma expressão visual mais autêntica é esse reconhecimento.

Quantas clientes não conseguem definir seu estilo pessoal? É comum que muitas pessoas se sintam perdidas nesse quesito. Uma boa pista para ajudar a cliente é que ela examine o que usa com mais frequência. Em meio aos ruídos criados pelo consumismo, essas peças podem revelar mais sobre hábitos e gostos.

Para chegar lá preciso entender as dificuldades de autoimagem da cliente, porque acontece também de as roupas não comunicarem quem ela é. Daí tanta gente se apresentar visualmente desconectada de sua essência e seus gostos. Quando me deparo com clientes que têm armários abarrotados, pergunto: “Você precisa mesmo de mais roupas”? A resposta está com a cliente, esse questionamento tem que ser dela.

Um novo vestido, sapato ou cosmético pode até proporcionar algum sentimento de satisfação momentâneo, mas dificilmente, por si só, deixará a cliente mais satisfeita com sua imagem. O resultado desse ciclo de consumo excessivo é um armário repleto de itens que usamos uma ou duas vezes, capazes de desviar a atenção do que realmente importa. Vale lembrar, a produção de cada um desses itens causa um grande impacto no meio ambiente.

Muitas vezes, vejo que clientes em transição para um guarda-roupa mais sustentável se desfazem de tudo o que tinham no armário, comprando peças que serão deixadas de lado com pouco tempo de uso. Visitar brechós, negócio que cresce cada vez mais, pode ser uma opção para adquirir peças e acessórios de qualidade gastando menos e levando itens muito bacanas.

(Imagens: Pinterest)

O que precisamos saber sobre moda, consumo e danos ambientais

A moda é muito importante para o desenvolvimento econômico, empregando diretamente 75 milhões de pessoas no mundo. Mas dados do Boston Consulting Group revelam que o setor é lento em melhorar sua sustentabilidade e que a maioria dos executivos de moda não coloca fatores ambientais e sociais como parte dos princípios e estratégias corporativas. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Ellen MacArthur Foundation mostram como esse modelo é devastador.

  • A indústria da moda é responsável por entre 2% e 8% das emissões globais de carbono.
  • A indústria da moda utiliza anualmente 93 bilhões de metros cúbicos de água.
  • Cerca de 20% das águas residuais em todo o mundo vêm do tingimento e tratamento de tecidos. Dez anos atrás eram fabricadas 50 bilhões de roupas novas todo ano. Em 2020, foram 100 bilhões de peças.
  • Hoje as pessoas compram 60% mais roupas do que em 2010. também descartam mais. E apenas 1% das roupas usadas são recicladas em novas roupas. Em alguns países, 40% das roupas compradas nunca são usadas.
  • O número de vezes que uma roupa é usada antes de ser descartada diminuiu 36% e a fase de uso respondeu por 24% das emissões de gases de efeito estufa em 2016.
  • 87% das fibras usadas para confeccionar roupas são incineradas ou descartadas em aterros.
  • Meio milhão de toneladas de microfibras plásticas são despejadas no oceano por ano. Isso equivale a 50 bilhões de garrafas plásticas.
  • No deserto de Atacama, no Chile, pelo menos 39 mil toneladas de roupas se transformaram em um lixão têxtil. São peças descartadas, que vêm de diversas partes do mundo, levando a população pobre a buscar ali o que vestir.
  • Gana tornou-se o país africano dos lixões têxteis, que ficam à beira-mar. As roupas são de fast fashion, compradas por comerciantes locais, mas grande parte chega danificada e vai para o lixo. Quase todas as peças são em poliéster, que demora décadas para se decompor, e são carregadas para o mar.

Duas marcas que estão fazendo diferença na moda de luxo

Stella McCartney é uma das designers que tem trabalhado por processos mais sustentáveis na moda. Sua exposição Future of Fashion, na COP26, mostrou as possibilidades de aplicação de materiais inovadores em suas criações. Entre eles, o Mylo, couro feito de micélio, as raízes de fungo. Na Semana de Moda de Paris sua coleção teve como temática “cogumelos”, quando apresentou as primeiras bolsas com esse couro ecológico e usou 63% de matérias-primas ecológicas nas roupas.

No desfile SS22 de Paris, Gabriela Hearst também levou um pouco de sustentabilidade para a Chloé: 55% da coleção foi feita com materiais de baixo impacto ambiental. Ela trocou o algodão do forro das bolsas por linho, que exige menos água, metais que apareceram em alguns vestidos são de estoques mortos da marca e as estampas com listras foram pintadas à mão, evitando produtos químicos no tingimento. A designer também utilizou materiais reciclados em algumas bolsas numa parceria com a Mifuko, organização que trabalha com artesãs do Quênia. Mais? Calçados com solas feitas a partir de upcycling de sandálias que vieram dos oceanos.

Cinco passos para otimizar o guarda-roupa e resistir às compras por impulso

O sapato, a bolsa, o vestido, a saia, o casaco da temporada nem sempre são tão novidadeiros assim, só que também nem sempre é fácil, nem para a gente mesmo, segurar o desejo por uma peça nova. Além de ser prazeroso, todas nós damos uma boa renovada nos looks. Adoro a moda, as novidades, as atualizações, mas vamos combinar que tem muito desperdício e danos ao meio ambiente quando compramos além da conta. Por isso, mudar hábitos leva tempo. Essas coisas são um exercício, aprendizado cotidiano, porém, quando nos conhecemos melhor, fica mais fácil ser criativa e autêntica em nossas escolhas. O que nos leva a ser menos consumistas e fazer compras mais inteligentes.

Em julho fui entrevistada pela jornalista Fernanda Morelli sobre como otimizar o guarda-roupa. Na reportagem do Universa Uol dei alguns caminhos para evitar comprar demais e ainda assim considerar que não temos o que vestir. As dicas que dei envolvem minhas práticas na consultoria de imagem e minha própria trajetória para lidar com os excessos no guarda-roupa.

  1. Conhecer-se Quando a pessoa não se conhece, ela acaba não resistindo, ou resistindo muito menos, ao impulso de comprar. Autoconhecimento demanda tempo, investimento, disponibilidade e um interesse genuíno no processo de percorrer nossos meandros internos. O que nem sempre é fácil, costuma ser doloroso, mas costuma ser compensador, trazendo mudanças efetivas, inclusive nas questões de imagem e na nossa relação com o vestir. No frigir dos ovos fica-se menos à mercê do que o outro usa, mesmo que tenhamos algumas referências.
  2. Aposte no desapego – Desapegar não é uma prática fácil de se adotar. Somos muito apegados também a objetos, o que inclui roupas e acessórios. Quando a gente consegue ter um olhar desapegado para o guarda-roupa, separando peças que já não têm a ver com o estilo de vida, fase atual e até com nossas medidas. Trata-se de uma construção e desconstrução do vestir, o que ajuda bastante ao “não tenho roupa, que tantas vezes sentimos, mesmo diante de um armário lotado.
  3. Faça check-up de suas peças Uma boa dica para otimizar o guarda-roupa, depois de “desapegar”, é investigar suas peças. Com um armário menor fica muito fácil montar looks, misturar itens, texturas. Com isso, conseguimos visualizar o que temos no armário, freando algumas compras por impulso e de pouco uso.
  4. Misture, use e ouse do seu jeitoNão tenha medo de experimentar e misturar cores, texturas, padrões e testar novas combinações, mesmo monocromáticas. Uma blusa de paetê, só usada em festa, pode ir bem com jeans, tênis. Do tipo do baile à feira. Quando mudamos acessórios e sapatos, por exemplo, ou usamos uma saia de renda com camiseta, estamos sendo criativos e otimizando o guarda-roupa.
  5. Eleja o que considera peças-chave para você Isso de peça-chave mudou bastante, assim como itens atemporais. Mas ainda vale investir em qualidade. Hoje em dia, felizmente, peça essencial no guarda-roupa é a que a pessoa gosta e se sente bem em usar. Essa fluidez é muito bem-vinda e ajuda bastante a segurar as compras por impulso.

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”