Dá para acenar ao cliente com uma espécie de paraíso via consultoria de imagem e como porta de acesso ao autoconhecimento? O mantra do “conhecer-se a si mesmo”, tão na moda, pode encurtar perigosamente o caminho entre os benefícios de uma nova identidade visual e o autoconhecimento, que viria como brinde ou bônus. Trocando em miúdos e direto ao ponto: a consultoria de imagem, por si só, não é atalho para o autoconhecimento, que depende de uma prática humanizada de abordagem para nos comunicarmos com o cliente.
Entendo que sustentar uma prática responsável do conceito de autoconhecimento na consultoria de imagem será sempre um desafio para o profissional. Desafio porque todos temos questões ligadas ao próprio conhecimento de nós mesmos e da nossa autoimagem, envoltos em nossas subjetividades, buscas, momentos e histórias de vida.
Sugiro uma pausa nas “receitas prontas”, que carecem da profundidade do tema. Menos mantras e mais escuta, por favor! Se autoconhecer não é apenas da ordem da vontade, mas uma decisão interna, que pertence a cada pessoa. O papel que nos cabe para ajudar o cliente no processo de autoconhecimento, respeitando o alcance e os limites da consultoria de imagem, é entender mais a fundo suas demandas, anseios, dificuldades e até questionar algumas de suas certezas sobre a própria imagem.
Para isso, precisamos desenvolver e afinar nossa capacidade de escuta, cientes de que uma identidade visual autêntica não decorre tão somente com o suporte da técnica. Cada pessoa é um mundo de singularidades: relatos e histórias de vida ampliam nosso entendimento sobre algumas das atitudes, gestos e escolhas de imagem do cliente, enquanto possibilita que ele próprio avance no conhecimento de si mesmo.
“Não somos o que parecemos ser”, disse Freud
No método Interno, base de meu trabalho no atendimento pessoal e nos cursos para consultores de imagem, a escuta está estabelecida como um dos pilares para o autoconhecimento no processo da consultoria. Por quê é essencial não avaliar o cliente pela imagem que ele está trazendo, mas pelo relato que faz de sua própria imagem? Respondo com uma frase enigmática e convidativa de Freud: “Não somos o que parecemos ser”, lembrando que a imagem nunca deve ser tomada na superficialidade, restringindo-se àquilo que os olhos alcançam.
Portanto, é nossa tarefa lidar com as diferenças de cada pessoa, independentemente das técnicas e práticas que adotamos, e somente com uma escuta sensível e rigorosa podemos ajudar o cliente a se conhecer mais profundamente. Escutar é renunciar ao perigoso lugar de poder que muitas vezes ocupamos na relação com cliente e nossa escuta deve respeitar os limites dele.
O autoconhecimento, que defendo como base de uma consultoria de imagem autêntica, tem a ver com nossa disponibilidade para escutar o cliente. Será que conseguiremos entender as demandas, dificuldades com a autoimagem, que não costumam ser poucas, e as motivações do cliente no primeiro encontro? Dificilmente chegaremos a uma expressão visual genuína sem investir em várias entrevistas, que nomeio como tempo dilatado ou tempo de escuta, e antecedem a coleta de informações objetivas, própria da fase técnica do trabalho.
O inconsciente conduz nossas escolhas de imagem
O conceito de autoconhecimento com o qual trabalho é sustentado na existência do inconsciente, uma parte em nós desconhecida, que movimenta nossa vida, conduzindo nossas escolhas, inclusive de imagem.
Minhas vivências com o comportamento humano, aprendidas nos mais de 20 anos clinicando na psicanálise, são esteio para o meu trabalho, e me ensinaram a não julgar nem avaliar o cliente pela sua imagem ou ficar no lugar de conselheira. Considero essas atitudes se usadas pelo consultor são enganosas, e minam as possibilidades de mudanças significativas da identidade visual.
No curso “AUTOCONHECIMENTO PARA CONSULTORES DE IMAGEM”, baseado no método Interno, sustento, entre outras premissas, que “quanto mais o consultor se conhece, mais chances temos de escutar o cliente” e “que faz parte da ética profissional o consultor de imagem saber até onde pode ir com seu cliente”.
São recomendações e reflexões, mas não quero dizer com elas que o consultor de imagem deve buscar uma análise pessoal. A psicanálise marcou de forma decisiva minha trajetória, trazendo um diferencial ao trabalho na consultoria de imagem com uma abordagem consequente e responsável da autoimagem do cliente.
O texto da vida inclui roupa, acessório, e até o jeito de se comportar
Se tenho uma crença, que pode ser nomeada inabalável, é de uma consultoria de imagem com propósito, fruída, humanizada, em que o cliente estabeleça uma relação liberta de padrões e menos conflituosa com o próprio corpo. E de mais bem-estar com sua aparência. Ou seja, roupa, acessório, e até o jeito de se comportar, precisam ser entendidos dentro de um contexto, que é o próprio “texto de vida”.
Nos cabe ajudar o cliente a se expressar com uma imagem autêntica, que vá além da aparência, das informações de estilo, montagem de guarda-roupa, combinação de peças. O consultor de imagem deve recusar o lugar de quem tudo sabe, que deve ser ocupado pelo cliente, pois sua palavra é sempre soberana. Caso contrário, nos assemelharemos a Narciso, que fica cego e surdo aos outros, apaixonado por si mesmo, o que nos leva a esquecer que cada cliente é único.
Quantas mulheres, que aparentemente dominam a ‘arte da vestimenta’, digamos assim, se sentem inadequadas com sua imagem e buscam o consultor para consertar o que denominam seus erros? Não conseguiremos ajudar essa cliente sem o “tempo estendido de escuta”, base na qual acredito que operamos o autoconhecimento na prática da consultoria de imagem. Fica uma provocação, que tem o intuito de fazer a consultoria de imagem avançar: Para você, colega consultora, qual lugar tem o autoconhecimento na sua prática profissional?