Que tipo de roupa vamos usar na pós-pandemia? Dá para pensar em vestuário, aqui no Brasil, quando ainda nem começamos direito o caminho da volta? Quais os impactos de meses de distanciamento social no vestir, na imagem pessoal, na relação com o corpo e a aparência? Será que as mulheres romperam com mais consistência padrões corporais e de beleza nesse período? E nossas clientes da consultoria de imagem, como vão lidar com a saída do casulo? Como fica o dresscode profissional após a temporada ‘peça de cima’ e muito moletom da cintura para baixo? Para muita gente, o retorno não se dará sem alguns dilemas, dúvidas, inseguranças, além do bem-vindo desejo de mais autenticidade no estilo pessoal.

Não à toa, essa transição já ganhou até uma expressão: ‘post-pandemic wardrobe anxiety’, que em bom português significa ansiedade do guarda-roupa pós-pandemia. Ir a restaurantes, cinema, cafés, bares, eventos, encontros de trabalho, conviver com colegas de escritório, ter reuniões presenciais envolvem novamente o olhar do outro. Com o avanço da vacinação contra a Covid19, quem cumpria um isolamento mais restritivo ensaia o retorno. Não existe filtro na vida real e nossa aparência, corpo, e rosto serão avaliados presencialmente e as mulheres continuam sendo mais cobradas por sua aparência.

Os códigos de vestimenta estão sendo revistos

Os códigos de vestimenta estão em diferentes processos de revisão – assim como os hábitos de consumo, cuidados com saúde física, mental, beleza e estética. Pelo menos é o que dizem pesquisas e consultorias que se dedicam a estudar como a crise sanitária alterou o jeito de viver de um terço da população mundial, e isso inclui a relação com imagem e guarda-roupa. “Quem comprou todas essas roupas ridículas e por que estão no meu armário? é o título de um artigo de Susanna Schrobsdorff na Time. A jornalista fala sobre pilhas de peças que estão em sua cama, espécie de monumento de sua busca por décadas para se parecer com quem ela precisava estar em determinado dia no trabalho.

“Vestir-se para o escritório era como resolver um Cubo de Rubik de indumentária em que a rara combinação vencedora era simultaneamente apropriada para minha idade, posição, tipo físico e horário. O ano passado foi uma trégua de tudo isso”

(SUSANNA SCHROBSDORFF, REVISTA TIME)

As reflexões de Susanna Schrobsdorff sobre seu guarda-roupa dizem muito de sentimentos coletivos que começam a aflorar nessa ‘volta à vida social’. Ou seja, não se reconhecer mais nas roupas que usava, que segundo ela não cabem mais em sua vida, corpo ou alma. Assim como a jornalista da Time, milhares de outras mulheres, de diferentes faixas etárias, profissões, atividade, vão se perguntar: com que roupa? Na consultoria de imagem, esse questionamento não envolve apenas as peças que a cliente tem em seu armário.  Tem a ver com autoimagem e necessidades, que vão além das propostas técnicas, e importam muito para o resultados do trabalho da consultora de imagem faça diferença na vida da pessoa, especialmente quando a cliente está revendo o seu estilo de vida.

Brechós entraram de vez no cotidiano do vestir

Nunca se comprou tanto roupas e acessórios usados com os brechós aumentando suas vendas na pandemia. A GlobalData, empresa de análise e consultoria de dados de Londres, prevê um aumento de 33% na venda de roupas e acessórios de segunda mão este ano, bem mais do que os 8% das marcas e multimarcas. Esse fenômeno começou antes da Covid19, mas foi acelerado pela crise sanitária, criando uma nova dinâmica de moda/roupa/vestir. Tanto por motivações financeiras, já que o dinheiro encurtou, quanto pela disseminação de uma cultura ligada ao consumo sustentável, puxada incialmente por mulheres entre 18 e 45 anos, que gostam de moda e querem expressar seu estilo pessoal, assim como se ligam às questões socioambientais.

“A pandemia permitiu que eu me vestisse apenas para o que fosse bom, confortável e sem esforço, porque não havia um lugar específico para ir. Portanto, à medida que passava mais tempo em casa e avaliava minha vida e meu guarda-roupa, fiz a limpa; assim como muitas pessoas que conheço. Quer você seja mais uma Marie Kondo ou maximalista, foi libertador se livrar das roupas que não serviam mais. Porque nada é mais sexy do que uma mulher simplesmente confortável em sua pele”

(SHERI RADEL ROSENBERG, ESCRITORA, SITE AGEIST)

Efeitos da pandemia na imagem corporal: com que roupa?

O questionamento, ou a queixa, do ‘com que roupa?’ passa ainda por alterações corporais que interferem na imagem e como se vestir na pós-pandemia. O que não deve ser desconsiderado pela consultora de imagem, que deveria evitar conselhos e avaliações sobre o corpo da cliente. Muita gente engordou durante a pandemia, mesmo que poucos quilos. Porém o suficiente para aumentar a silhueta, deixar calças mais apertadas e saias que não fecham na cintura e cada pessoa lida de um jeito com isso, Segundo reportagem do El País, não só a balança contabiliza alguns extas por meses de confinamento e pouca atividade física. Rigidez no pescoço, dores lombares e até tensão acumulada na mandíbula são queixas que chegam aos montes nos consultórios. Junto com isso, surge a sensação de que envelhecemos não 12 meses, mas uma década, tal as mudanças provocadas pela pandemia no nosso jeito de viver. Sair novamente de casa e encarar uma rotina que foi interrompida pela pandemia pode não ser tão fácil, por mais que tenhamos sonhado com esse momento.

A vida on-line mexeu com a imagem de diferentes formas – tanto reduzindo as preocupações estéticas, quanto aumentando a autocrítica em relação à aparência. Quantas mulheres você conhece que deixaram os fios grisalhos ou brancos? E quantas mulheres não se sentiram feias, cheias de defeitos reais ou imaginários ao se ver no Zoom em tempo real? A vida on-line colocou o rosto em evidência com suas marcas, rugas, imperfeições. Não à toa, o número de cirurgias estéticas no Brasil, que lidera o ranking mundial de procedimentos na face, deve aumentar mais este ano. Com o home office, começamos a ver nossos defeitos, digamos assim, com super lentes de aumento. Não existe mal nenhum em buscar algumas correções para sentir mais bem-estar com sua imagem. Pode ser esse o caso de uma cliente que busca a consultoria de imagem: mais satisfeita com sua aparência, ela quer uma identidade visual repaginada, mais próxima de como se sente e de seu momento de vida.

“Essa ansiedade com o guarda-roupa não está realmente relacionada às roupas ou ao seu corpo, no entanto, ela pode ter mudado nos últimos meses. É sobre sentir-se fora de controle, o que, vamos encarar – todos nós já sentimos, de uma forma massiva e existencial, desde que um vírus invisível apareceu e mudou tudo”

(VIRGINIA SOLE-SMITH, JORNALISTA, SITE INSTYLE)

O que as ruas do mundo estão contando sobre estilo pessoal?

Quando a gente fala hoje em estilo das ruas, nada se compara ao Copenhage Fashion Week, especialmente a última edição de agosto, quando todos os sites de moda e street publicaram reportagens e centenas de imagens do evento, que trabalha com marcas sustentáveis, o que o diferencia do mainstream do eixo NY, Londres, Milão, Paris. Mais até do que os desfiles, alguns presenciais, outros on-line, os looks das pessoas que circularam pelas ruas da capital dinamarquesa são fontes de inspiração e referência. Espécie de radiografia da moda, revelando que criatividade e estilo vão de A a Z, que o jeito de vestir está cada vez mais descolano de tendências. Teve alfaiataria, modelagem oversized, jeans, salto alto, tênis, crocs, chinelos, cores clássicas, muita mistura de cor, vestido levinho, pernas e barrigas à mostra, casacos, moletom com seda.

Os looks nas ruas de Copenhage, durante a Copenhage Fashion Week, em agosto: diversidade de estilos na pós-pandemia (Imagens: reproduções)

Cada cobertura desse streetstryle com o seu olhar. A Vogue, por exemplo, se voltou para a ‘moda dopamina’ nas ruas de Copenhage, focando uma explosão color, neon, vibrante, em que as roupas mostravam otimismo e exuberância com o avanço da vacinação. Enquanto isso, a L’Officiel apostou nas produções street com muita alfaiataria, ‘minimalismo cool’, considerando as cores, porém dando destaque para os tons clássicos e sóbrios nas ruas, especialmente dos paletós e calças oversized em cartelas de nude ou composições com preto, marinho, marrom. Assim como as jornalistas de moda fazem suas leituras personalizadas do vestir das ruas, nossas clientes transitam por escolhas e possibilidades bem diferentes entre si para expressarem seu estilo, encontrarem ou redefinirem sua identidade visual.

Por aí se vê, quando se fala em estilo, que não dá para padronizar a imagem da cliente. A consultora de imagem que se prende excessivamente aos pilares da formação técnica em breve não terá mais ressonância no mercado. Entender a cliente mais a fundo e seus quereres de imagem é a bola da vez em nossa área e isso passa por desconstruir regras. Claro que conhecendo todas elas e oferecendo o que a cliente quer, sem cair em ciladas. Quais ciladas? Categorizar a pessoa é a maior delas. Quem disse, por exemplo, que gostar e usar tons clássicos, dos beges ao preto, indica falta de personalidade no vestir? Ou que looks muito coloridos e misturas de estampa são demais dependendo da idade e do corpo?

Como andam o coração e a mente do consumidor? Quem são os ‘reimaginados’?

Pesquisa global 2021 da consultoria Accenture, com mais de 25.000 pessoas, em 22 países, mostrou que 50% dos consumidores repensaram seu propósito pessoal, reavaliando o que é importante para eles por causa da pandemia. São pessoas que estão mudando também seus hábitos de compra e foram denominadas de ‘os reimaginados’ pela consultoria.

42%
desses consumidores ‘reimaginados’ afirmaram que precisam se concentrar mais nos outros do que em si mesmos.

63%
dos ‘reimaginados’ consideram essencial que marcas e empresas promovam ativamente práticas saudáveis. Eles afirmaram que essa prioridade não vai acabar com a pandemia, pois querem ter a certeza de as empresas vão se empenhar por práticas sustentáveis.

76%
dos ‘reimaginados’ querem produtos e serviços de empresas altamente éticas. E 65% deles buscam marcas que são amigas do meio ambiente, e que forneçam credenciais “verdes” confiáveis para produtos/serviços, minimizando os danos ambientais, ou que invistam em sustentabilidade.

QUE TAL PENSAR SOBRE ISSO?

  • A consultoria de imagem que realmente trabalha com os pilares de autenticidade ajuda a cliente a separar o que gosta de vestir do que é imposição cultural e de padrões. Tarefa nem sempre fácil, que exige entender mais profundamente a cliente, suas demandas e sua relação com a imagem.
  • Se a cliente está com mais dificuldades no vestir e com seu guarda-roupa, sentindo-se pressionada com o retorno ao olho no olho, à vida social e ao trabalho, cabe à consultora trabalhar no tempo da cliente.
  • Isso pode estender também o tempo da consultoria de imagem. Mas como levar adiante o processo e aplicar as soluções técnicas de imagem e estilo sem que a cliente se dê conta dos próprios entraves e dificuldades?
  • Atendimento humanizado não se dá sem processos fluidos, que permitem uma conexão verdadeira com a cliente. Como propor identidade visual e estilo sem se conectar e escutar sua cliente?
Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”