A flexibilização do dresscode entrou para valer no radar das empresas há pouco mais de quatro anos. E muitas companhias começaram a repensar seus códigos de vestimenta a fim de oferecer um ambiente de trabalho no qual os colaboradores expressem uma imagem e estilo mais autênticos. Mas da ideia à efetivação da proposta falta muito a ser feito, começando por cada empregador deixar claro o que entende por traje informal, revendo a cultura empresarial, o que vai muito além do que as pessoas podem ou não usar. Tarefa nada fácil! Só que a pandemia e a adoção do home office aceleraram dilemas e questionamentos sobre o que vestir no trabalho. Flexibilizar é o verbo da vez, mas o querem os nossos clientes da consultoria de imagem?

Na área de imagem e marca pessoal vamos, cada vez mais, encontrar clientes que experimentam novas e até antigas dúvidas e impasses sobre a roupa de trabalho. São pessoas que estão assumindo novos cargos, ou em transição de carreira, e querem se reconhecer em sua imagem, buscando uma nova, e genuína, identidade visual. Saber como anda o mundo, o antes, o agora e o depois da pandemia é essencial para o consultor atender e entender esse cliente.

Vale observar que a consultoria de imagem, que surgiu há pouco mais de 40 anos, até recentemente seguia regras bem rígidas sobre o dresscode no mundo do trabalho. Ou seja, o profissional de imagem adotava padrões de tecidos, cores e modelagens tradicionais para os ambientes corporativos, reforçando essas regras tanto para os clientes empresariais, quanto para a marca pessoal. Homens de ternos escuros, evocando poder e controle. Mulheres de tailleurs ou costumes, igualmente em tons sóbrios e cartelas de cinza, simbolizando a dinâmica do sucesso em versão feminina. Isso, inclusive, gerou uma espécie de sobrenome da empresa na vida de muita gente.

Já atendi clientes, especialmente mulheres, que tinham uma identidade visual tão ligada à cultura da empresa, na qual geralmente trabalharam por anos, que quando se decidiram por uma nova carreira ou a iniciar o próprio negócio não se reconheciam na própria imagem. Roupa, cabelo e até o jeito de se comportar seguiam a cultura do ambiente corporativo. “Não era mais eu”, me disse uma cliente de 45 anos, que no processo de consultoria redescobriu seu gosto por looks coloridos e saias rodadas, peça sequer considerada por ela durante muito tempo, já que levou para sua vida pessoal, até nos momentos de lazer, sua imagem corporativa.

Posso dizer que esse atendimento precisou de mais tempo, e vários encontros, para a cliente compreender um pouco mais suas dificuldades e entraves de imagem. Só então foi possível entender quais as suas reais demandas e o que realmente esperava da consultoria de imagem. Isso foi resultado de uma prática afinada de escuta, que vem do método Interno. Aos poucos a cliente me contou um pouco de suas histórias de vida, falou sobre suas questões ligadas à aparência, de como se via e se sentia em relação à antiga empresa, e assim fui entendendo alguns marcadores emocionais que envolviam suas escolhas de imagem, roupa e acessórios.

Onde podemos e queremos chegar com as mudanças do dresscode?

A pergunta que continua valendo no antes, no agora e no depois da pandemia já estava martelando há tempos na cabeça de colaboradores e empregadores. A questão foi ampliada e ganhou ainda mais visibilidade. Como se sentir bem na própria pele, reconhecendo a própria imagem, e ao mesmo tempo identificado e adequado à cultura da empresa ou do próprio negócio? Os códigos de vestimenta, explícitos ou implícitos, alcançam também empreendedores e profissionais liberais. Até onde podemos chegar com a flexibilização do que vestir na vida profissional?

Parece que o conforto está prevalecendo em parte do mundo corporativo, começando pela revisão do uso diário e obrigatório de terno pelos homens e do tailleur/terninho e salto alto pelas mulheres. Segundo pesquisa recente da KD Imagem e Marca Pessoal, publicada pelo Valor Econômico, que ouviu 460 profissionais, um terço deles continua se arrumando, mas adotando looks menos formais nos últimos meses, ou desde o início da pandemia.

As questões envolvendo os códigos de vestimenta ganharam nova amplitude com as migrações para o home office em função da pandemia. O que vestir no trabalho, tema que já abordei aqui no blog, foi ressignificado nos últimos meses, como revela a pesquisa da KD. Ou seja, o dresscode mudou de endereço, a casa virou escritório para milhares de pessoas, e as mulheres treinaram malabares para dar conta de reuniões virtuais, metas e agendas de trabalho, afazeres domésticos, cuidados com a aparência e a escolha do que vestir pelo menos da cintura para cima.

O efeito disso na saúde mental não é tema deste artigo, mas impossível ignorar tanta exigência de performance: pesquisa da Fundação Dom Cabral (FDC) e Talenses Group, publicada em maio pelo jornal Valor, revelou que 80,92% das mulheres entrevistadas se sentiram prejudicadas com as alterações impostas pela pandemia. E mesmo percebendo mudanças nas chefias, que passaram a cobrar da mesma forma colaboradores de ambos os sexos, elas se sentiram pressionadas a trabalhar mais para mostrar aos gestores que são realmente produtivas.

O que a pesquisa da KD revelou sobre a roupa de trabalho

55%

dos profissionais acreditam que as empresas vão manter a postura de sempre, e que nada mudará em relação ao código de vestimenta após a pandemia

45%

deles acham o contrário. Ou seja, as empresas devem se tornar mais flexíveis em relação à imagem pessoal dos profissionais

88%

dos entrevistados com cargos estratégicos consideram que “o profissional que se preocupa com a imagem pessoal tem mais chance de atingir seus objetivos profissionais”

33%

afirmaram que continuam ser arrumando, mas de um jeito mais informal

20%

dos profissionais em home office só se preocupam com a parte superior da roupa

15%

dos entrevistados afirmaram só trabalhar de pijama ou ‘roupa de ficar em casa’

8%

deles se vestem diariamente como se saíssem para trabalhar

Home office e flexibilização do guarda-roupa. Afinal, vamos adotar a informalidade?

Não à toa, encontramos tantas pesquisas sobre o que pensam e o que querem mulheres e homens em relação ao vestuário. E não só! Valores e posicionamentos das companhias em temas como diversidade, equidade de gênero, sustentabilidade, gestão de tempo e de pessoas, relação entre chefes/ subordinados e as possibilidade de crescimento na carreira expõem as mudanças em curso no mundo do trabalho. As pessoas querem bons salários, progressão profissional, mas também um ambiente em que se sintam acolhidas, respeitadas, valorizadas. E, com a pandemia, cuidar da saúde mental dos colaboradores tornou-se urgente, enquanto aumentam casos de estresse, insônia, ansiedade e depressão, com as mulheres liderando esses rankings.

No tocante à vestimenta, e isso envolve bem-estar em relação à imagem, a própria expansão das startups provocou questionamentos entre profissionais de áreas que tradicionalmente adotam um dresscode mais formal, obrigando grandes empresas, do setor financeiro, por exemplo, a flexibilizar seus códigos de imagem e de aparência. Mas sem mensagens claras das companhias, a tal flexibilização da roupa traz tantas dúvidas que as pessoas se perdem, muitas vezes sentindo que sua roupa parece inadequada.

O dresscode sempre foi uma espécie de artefato da cultura das empresas. Imagem e marca pessoal envolvem não só o que vestimos, claro, e não à toa a consultoria de imagem trabalha aparência e cuidados pessoais; comportamento; comunicação verbal e não-verbal. No caso do dresscode profssional devemos também nos perguntar se a flexibilização dos códigos de vestimenta está realmente em consonância com a cultura e os valores da empresa. Consultores de imagem que têm clientes corporativos não podem ficar desavisados sobre isso. Ou seja, o dresscode flexível, por si só, não representa inovação e criatividade, por exemplo, se a cultura organizacional, ou mesmo a atividade fim da empresa, não se baseia nelas.

E como ficam as profissionais que se sentem muito bem, obrigada, usando alfaiataria tradicional? Vamos cair nas armadilhas de novas categorizações? Vale lembrar: a indústria da moda reinventa clássicos do guarda-roupa como tailleurs, terninhos, paletó, blazer, camisaria e saia lápis que vão além das nuances de cinza e marrom. Novas modelagens, shapes e texturas ajudam a recriar a alfaiataria, que deve, na medida do possível, ser de excelente corte, tecido, caimento e acabamento.

Pesquisa mostrou que 33% podem até deixar emprego se a empresa exigir trajes formais

Muito antes de 2020, quando o trabalho em home office se tornou praticamente uma regra, inclusive nas big techs, a formalidade da roupa de trabalho estava na berlinda. Há dois anos, um estudo da OmniPulse, junto com a Randstad, empresa de recrutamento, revelou que 33% dos 1204 profissionais norte-americanos da pesquisa pediriam demissão, ou até recusariam um emprego, caso fossem obrigados a adotar um dresscode formal. Leia-se ternos, tailleurs, salto alto e tais.

Entretanto, segundo a OmniPulse, 65% dos profissionais acham importante usar uma roupa formal quando vão a entrevistas de emprego. Outro ponto interessante são os recortes por idade: 63% dos entrevistados de 18 a 35 anos preferem se arrumar para o trabalho, porque sentem que isso aumenta a confiança e o desempenho. Mas na faixa entre 35 a 64 anos, essa simbologia do vestuário mais formal cai para 51% dos colaboradores.

E o que não pegava bem para os entrevistados da OmniPulse?

  • Calça jeans rasgada para 73%, leggins para 56% e saltos altíssimos para 50%.
  • Por aí, dá para perceber como o tema do dresscode, cada vez mais, atravessa o mundo do trabalho. Não apenas entre colaboradores de grandes empresas.
  • Mulheres em transição de carreira e empreendedoras também se vêm às voltas com o que vestir e as dúvidas e dificuldades devem crescer no que chamamos de pós-pandemia.

Consultor de imagem é o catalisador do processo, mas é o cliente quem sabe dele

O consultor de imagem deve acompanhar esses movimentos e se inteirar sobre as novas questões envolvendo o dresscode, sem perder de vista o que o cliente quer. É o cliente quem sabe sobre a imagem dele, mesmo que desconheça esse fato. O consultor deve ser o catalisador do processo do cliente. E isso não é pouca coisa!

Não dá para o profissional de imagem continuar seguindo algumas regras e fórmulas que os novos tempos estão tornando datadas, e faz parte do nosso trabalho ajudar o cliente sem impor a ele nossos parâmetros de imagem. Eles vão estar mais fragilizados na pós-pandemia, como todos nós, mesmo que de diferentes formas. E mais exigentes! Muitos vão contratar uma consultoria de imagem a fim de migrar de carreira, porque pandemia da Covid19, que tanto alterou nosso jeito de viver, fez muita gente rever a vida pessoal e profissional.

As mulheres foram as mais afetadas em suas rotinas de trabalho, e deram uma guinada em direção ao empreendedorismo ou a criação do próprio negócio. Imagem e marca pessoal bem trabalhados fazem diferença e agregam valor quando comunicam genuinamente quem a pessoa é, rompendo com padrões idealizados.

Lidar com esse novo cliente e suas expectativas será um desafio e tarefa que vai exigir mais preparo do profissional de imagem. Cada pessoa tem uma lente singular para se enxergar e os quereres de imagem e estilo serão sempre singulares. Fórmulas prontas são ainda mais arriscadas e não dá para lidar com demandas, dificuldades e expectativas sem personalizar, realmente, nossos processos de trabalho e de atendimento.

Marca pessoal, estilo e mensagem da roupa: equilibre os pratinhos!

Imagem é comunicação e o vestuário se conecta também à moda, estabelecendo o discurso da roupa. Adequar o próprio estilo à marca pessoal, que é a forma como queremos nos mostrar ao mundo, não se faz sem equilibrar alguns pratinhos. A meu ver, uma ótima referência de identidade visual, entre muitas outras, é Maju Coutinho, 42 anos, âncora do jornal Hoje, da Globo.

Maju Coutinho adota em seus looks ores vivas, como amarelo, verde, vermelho, em composições monocromáticas ou blocos de tons sobrepostos, atualizando clássicos do guarda-roupa, como vestidos tubinho e saia lápis. Macacões em alfaiataria, pantalonas, camisas de seda e terninhos ‘casam’ com os sapatos em tons de nude, enquanto acessórios são eliminados dos looks e aparecem apenas nos brincos pequenos e delicados. Resultado? Uma identidade visual que segue os códigos de vestimenta, mas de acordo com o que ela expressa com seu comportamento. A jornalista transmite uma mensagem autêntica.

O dresscode de jornalistas são ótimos exemplos da adequação entre identidade visual e marca pessoal. Enquanto Maju Coutinho serve de exemplo do uso da cor atualizando peças clássicas, outra jornalista da emissora, Renata Vasconcelos, 49 anos, construiu sua marca pessoal adotando um vestuário de tons neutros, sustentado por paletó e camisa, ora usados com saia; ora com calça comprida. A âncora do Jornal Nacional já disse em entrevistas que suas escolhas de roupa ajudam a dar destaque à notícia, o que não significa invisibilidade. Pelo contrário, assim como a colega Maju Coutinho, ela imprimiu seu estilo pessoal à imagem profissional, incluindo óculos de grau, até então um problema nas bancadas de telejornais. Ambas seguem a máxima do ‘menos é mais’ na make discreta, assim como valorizam a beleza natural dos cabelos.

Imagens de Maju Coutinho: Reproduções/web

PENSE SOBRE ISSO

  • As mulheres, incluindo roupa, maquiagem, cabelo, sapato, acessórios têm mais ou menos entraves em relação ao dresscode de acordo com o ambiente profissional, seu momento de vida, suas experiências, sua visão de mundo e a comunicação da própria empresa sobre vestimenta e imagem.
  • Basta dar um reset em décadas de padrões e regrinhas com um liberou geral o dresscode? Isso é ilusório no mundo real. A não ser que a pessoa seja artista, ou esteja inserida em espaços de vanguarda, a vestimenta, mais formal ou informal, ainda terá alguns códigos.
  • O modo como nos vestimos tem seus paradoxos: ao mesmo tempo que usamos roupas e acessórios para marcar nosso território individual, precisamos do pertencimento que vem da identificação a um determinado grupo.

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Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

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