A moda pode ser encarada sob duas perspectivas: pelos seus infindáveis recursos para expressarmos a autenticidade de quem somos e pelo seu poder de nos encaixar em estereótipos, tendências e rótulos para que sejamos compreendidos como sujeitos de nosso tempo. É por essa necessidade de nos inserir em um grupo e em um momento que a moda pode nos reduzir a agentes de consumo, dado que estamos em uma sociedade regida pelo consumismo.
A consultoria de imagem (diferente da consultoria de moda, mas intimamente relacionada com ela) acaba sofrendo com os mesmos problemas. Como essas áreas respondem, então, a um mundo em que as pessoas voltam-se cada vez mais para expressões individualizadas de si, demandando mais e mais autenticidade em suas expressões visuais? Como a consultoria de imagem pode se preparar para esse momento de quebra de padrões?
Felizmente, o mundo da moda sofreu grandes transformações nos últimos anos. Embora algumas pessoas ainda sintam falta do clima de glamour e exclusividade dos desfiles e dos ensaios suntuosos, hoje temos mais possibilidades para acompanhar nossas marcas favoritas e monitorar seus posicionamentos éticos, conferir as novidades e, principalmente, nos aproximarmos das empresas. Talvez, também por isso, o posicionamento delas tenha se transformado tanto. A quebra de padrões nas campanhas de moda é um fenômeno que, ainda bem, vai muito além das tendências e veio para ficar.
A autenticidade como um valor que rompe paradigmas
Como já discuti em um artigo sobre a relação entre a consultoria de imagem e diversidade, ainda há muitos desafios para que consultores de imagem lidem com expressões visuais mais diversas. Afinal, isso exige dos profissionais uma mudança de mentalidade, capaz de escutar demandas diferentes das suas e ampliar repertórios. Da mesma forma, acolher e auxiliar expressões visuais mais autênticas também pede que o profissional de imagem demonstre abertura para cenários, personalidades e vivências bem diferentes das suas.
Se você está sempre se prendendo às velhas regras de manuais de estilo (“gordas não podem usar listras horizontais”, “use preto para emagrecer”, “marque a cintura para parecer mais feminina”), você provavelmente não conseguirá ajudar um cliente cuja expressão está além dessas regras. Pode ser que a sua cliente simplesmente não queira parecer mais magra ou mais feminina. E aí, o que você vai fazer para ajudá-la?
Como podemos ver pelo exemplo da SavageXFenty, a quebra de padrões na indústria depende muito mais de uma mudança de posicionamento das marcas e do mindset de seus consumidores. É um trabalho coletivo. Se as marcas e formadores de opinião, que produzem as imagens que tanto influenciam nosso comportamento de consumo, não se abrem a novas estéticas e comportamentos, que referências os compradores terão?
Esperanças e desafios em prol da diversidade no mundo da moda
O SPFW 48 impressionou pelo rompimento de paradigmas na maioria dos desfiles. As cinco primeiras modelos que mais desfilaram nessa edição são negras (Nayara Oliveira, Mari Calazan, Isadora Oliveira, Elle Maciel e Raynara Negrine, segundo o portal FFW, que fez a cobertura do evento). A postagem que recebeu o maior número de curtidas na cobertura do evento foi A que falava sobre o projeto Free Free, que aborda a liberdade física e a saúde emocional das mulheres. Entre as modelos retratadas no post, desfilavam uma jovem gorda com um look bem colorido e fresquinho e uma modelo com deficiência física e o sorriso mais contagiante possível.
Contudo, nem tudo é um mar de flores e, infelizmente, a representatividade ainda está bastante restrita ao âmbito do discurso. Nas lojas, ainda há poucas opções de roupas coloridas e com modelagens diferenciadas para mulheres gordas, por exemplo. Sandálias são projetadas para pés bem pequenos, sendo que há um número cada vez maior de homens que desejam experimentar esses modelos.
Muitas marcas têm receio de retratar mulheres negras e orientais em suas campanhas sob o argumento de que essas imagens têm menor engajamento. Ainda existem diversas consultoras que somente conseguem trabalhar em relação a um padrão visual, como se todas as pessoas desejassem ser aquela modelo branca, jovem, magra e heterossexual que encontramos nos anúncios das grandes marcas de lingerie.
PENSE SOBRE ISSO
- Assim como num projeto de produto que privilegia o usuário, a moda deveria ter como objetivo proporcionar bem-estar a quem utiliza os produtos. Isso não envolve, somente, projetar peças confortáveis.
- Um novo olhar sobre a moda, capaz de romper paradigmas e abraçar as expressões visuais autênticas das pessoas exige que formadores de opinião, estilistas, modelos, jornalistas e profissionais da imagem ofereçam a sua expertise para que essas peças e suas representações sirvam à essa autenticidade.
- No âmbito da consultoria de imagem, é preciso, sobretudo, investir na escuta atenta das demandas dos clientes, para que, a partir disso, possamos auxiliá-lo em sua busca por uma identidade visual autêntica.
- Especialmente na era da quebra de padrões, não há um manual de instruções que ampare a expressão visual dos clientes.
- A capacitação técnica é necessária, mas sem a escuta, elas serão apenas regras jogadas ao acaso, incapazes de trazer satisfação e de ajudar verdadeiramente aqueles que nos procuram.