O consultor de imagem pode “consertar” a autoestima da cliente? A pergunta traz uma provocação a respeito do alcance e dos limites de nosso trabalho e de nossas próprias crenças e ilusões sobre seus efeitos na vida da pessoa, ocupando às vezes um lugar acima do que deveria. Me preocupa a abordagem de aumento da autoestima como consequência direta da mudança de identidade visual, como se operássemos no campo do milagre, da mágica. Não custa lembrar: não é bem assim. Afinal, não somos superpoderosas, mesmo que nos sobre competência!
Entendo que todos temos uma questão com a imagem, e isso não tem a ver com ser feia ou bonita, gorda ou magra, jovem ou velha, mal ou bem vestida. Todos nós vivenciamos o narcisismo na infância, que se estende ao longo da nossa existência, carregando para sempre essas marcas primeiras. Há pessoas com mais dificuldades para lidar com essas questões da imagem e do gostar de si em determinados momentos da vida. Mas todos nós temos entraves com o narcisismo e de uma forma geral com a autoimagem.
Toda pessoa, o que nos inclui, e não apenas nossos clientes, tem problemas menores ou maiores, transitórios ou mais permanentes com questões subjetivas, nossas e do outro, que afetam em maior ou menor grau a autoestima, o gostar de si. Então tentamos amenizar ou minimizar essas questões, buscando respostas nos padrões estéticos vigentes, na aparência idealizada, na roupa da moda, no corpo magro, enquanto ignoramos ou desconhecemos, não sem alguns danos à saúde mental, as singularidades, incompletudes e vulnerabilidades que nos humanizam.
Quem dá conta de ser tudo o tempo inteiro?
depressão, que cresce no mundo, e tem ligação com a baixa autoestima, tem a ver com nossa cultura, que supervaloriza a aparência. Vivemos em uma sociedade construída sobre uma imagem de perfeição e de plenitude, que exclui tudo aquilo que não corresponde ao ideal do bom funcionamento, obrigando todos a se ajustarem a modelos que variam de acordo com os ditames da moda. Quem dá conta o tempo inteiro de ser bonita, feliz, bem-sucedida profissionalmente, ter uma vida amorosa plena?
Consultoria de imagem dá autoestima para o cliente? Não dá para negativar essa pergunta, mas cabe refletir que a autoestima não é algo fácil de se conseguir, e que há muitas insatisfações na relação da cliente com seu corpo, por exemplo.
Meu entendimento sobre o alcance e as possibilidades da consultoria de imagem são de que uma nova identidade visual não muda a autoestima da pessoa, mas pode efetivamente gerar um bem-estar, daí que é preciso lucidez e cautela em todo o processo do trabalho, respeitando sempre a subjetividade e o tempo do cliente.
Corpo, esse estranho que nos habita
Grande parte das mulheres mostra insatisfação com a autoimagem – elas não gostam do rosto, do cabelo, da roupa que vestem, do corpo. A pesquisa A Real Verdade Sobre Beleza, parte do Projeto Dove de Autoestima, ouviu mulheres de vinte países, inclusive brasileiras, com idades entre 18 e 64 anos, e revelou que conforme a idade avança, diminui a confiança corporal, enquanto a pressão relacionada a beleza aumenta. A pesquisa mostra como as dificuldades com a autoimagem, qu influenciam a autoestima – o gostar de si, afetam as mulheres, o que confirmo no dia a dia de meus atendimentos e ouço nos relatos de minhas alunas.
O discurso tão em voga da autoaceitação, às vezes adotado inclusive por consultores de imagem como receita para elevar a autoestima, não é indicado, não funciona e pode até mesmo criar uma certa resistência do cliente. Ninguém se aceita por se aceitar e questões de autoestima não são tão simples de entender, por isso, quando estamos concluindo muito rápido em relação à aparência, dificuldades e necessidades do cliente, nós profissionais é que podemos estar com sérias dificuldades em relação a nossa autoestima.
4%
Das entrevistadas na pesquisa Dove se consideravam bonitas
84%
Delas embora concordassem que toda mulher tem algo de bonito em si, não enxergavam a própria beleza
54%
Das mulheres da pesquisa Dove criticavam sua própria aparência
11%
Das garotas no mundo se sentem confortáveis em se descreverem como “bonitas”
72%
Das garotas entrevistadas na pesquisa sentem uma imensa pressão para serem bonitas
Mais tempo, mais disponibilidade, mais humanidade
Autoestima é uma construção complexa, que varia de pessoa para pessoa, e não deve ser tratada pelo consultor de imagem de uma forma simplista, desavisada e inconsequente. Entretanto, ao nos indagarmos se a consultoria de imagem “toca” a autoestima do cliente abrimos algumas possibilidades mais realistas e honestas sobre o alcance do nosso trabalho.
Com mais tempo, mais disponibilidade e mais humanidade existe uma chance de tocarmos algumas questões sensíveis da pessoa, sem sermos invasivos, e de ajudá-la a refletir sobre certas dificuldades em relação à própria aparência ou até mesmo a valorizar suas qualidades e lidar com suas insatisfações. A consultoria que pode ajudar na autoestima demanda tempo, pede a escuta do cliente, o interesse genuíno de saber mais um pouco sobre ele. Mas não existe milagre ou receita pronta.
Um tanto de amor por nós é necessário e saudável
Existe uma enorme distância entre a definição de autoestima nos dicionários e as dificuldades enfrentadas por cada um de nós para alcançar a valorização e o contentamento consigo mesmo que esse substantivo tanto evoca. Ouço falar de autoestima o tempo todo, não só na consultoria de imagem.
Mas o que entendo na minha visão de psicanalista é um conceito mais amplo do narcisismo, que é inconsciente e essencial para a constituição da psique, envolve as memórias de como fomos cuidados, alimentados, protegidos, e a grosso modo é gostar de sua autoimagem: rosto, corpo, da roupa que se usa, trabalho, relações amorosas, afetivas, profissão.
Um tanto de amor por nós é necessário para sustentar a autoestima em seu aspecto positivo, pois, afinal, o gostar de si é saudável, enquanto o culto excessivo à própria imagem pode indicar dificuldades em lidar com a realidade, encobrindo outros tipos de problemas. O narcisismo doentio é mais dor de si do que amor por si.
Raras pessoas possuem uma autoestima inquebrantável
No vídeo ‘Autoimagem e Autoestima ‘(Casa do Saber), o psicanalista Luiz Hanns aborda de um jeito bem acessível como se dá a construção do nosso EU, que começa na infância, quando o bebê, um ser ainda fragmentado, começa a se conhecer e a se reconhecer na fala, no olhar e no cuidado do Outro, geralmente os pais. Hans lembra do desafio de construirmos e sustentarmos ao longo da vida a imagem que temos de nós, afirmando que raras pessoas possuem uma autoestima inquebrantável, que independe da aprovação de outras pessoas.
Ele explica que para a maioria de nós é um grande desafio construir e sustentar uma imagem razoavelmente coerente, confortável se possível, e realista ao mesmo tempo de quem somos, de como os outros nos percebem, o que está ligado a autoimagem e também a repercussão disso na autoestima e no bem-estar.
Nossa sociedade de consumo não aceita que alguém tenha uma autoestima baixa, expresse tristeza, embora a tristeza não seja doença. Pode o consultor “consertar” a autoestima do cliente? Temos intolerância ao que não funciona bem segundo nossos pontos de vista, intolerância ao que contraria o ideal padronizado da boa forma, da perfeição.
Consertar o corpo do cliente, mesmo que ele não perceba um problema nele, ou ‘consertar suas emoções’ para adequá-la a padrões em que ele não se encaixa é desconsiderar sua subjetividade. É não aceitar o cliente dizer que não está bem, quando tantas vezes aquele é um momento na sua história de vida que precisa ser respeitado. Pois se é certo que um tanto de amor por nós sustenta a autoestima, adicionar outro tanto de empatia e de alteridade pelo outro permite construir uma sociedade mais humana e mais inclusiva.