Quantos de nós, consultores de imagem, estamos cedendo mais e mais a prática de propostas padronizadas no atendimento aos nossos clientes? Operamos na superfície do corpo, que traz marcas simbólicas inconscientes da história de cada pessoa, expressas no corte de cabelo, na vestimenta, nos acessórios, nas cores. Não à toa esta é uma questão que sempre abordo, buscando novas reflexões que vêm de conversas pesquisas, leituras. Recentemente recebi da colega e consultora Juliana Raimundo um artigo do cirurgião plástico mineiro Márcio Manoel Ferreira, publicado no Linkedin, aonde ele questiona a padronização de rostos nos procedimentos de harmonização facial e pergunta: “Temos que harmonizar o que com o que? Por que pessoas tão jovens estão buscando esse tipo de intervenção?”.

O errado é a cultura que vem sido alimentada de que todas as bocas devem ser carnudas e todas as bochechas salientes para que seu rosto seja harmônico. Que o nariz tem que ser pequeno e fino para ser bonito, que uma ruga de expressão é inaceitável como se ser natural fosse errado e envelhecer, um crime. O erro está em uma garota se olhar no espelho, ou na selfie, e não gostar do que vê. Querer mudar sem saber o que incomoda, disposta a tudo, para não ser quem é. Só porque é diferente”, diz o cirurgião plástico Márcio Manoel Ferreira em seu artigo cirurgião plástico Márcio Manoel Ferreira.

O questionamento do cirurgião e seu alerta da “produção em massa de bocões, bochechões e rostos sem expressões” lança luz, guardadas as devidas proporções, ao nosso trabalho na consultoria de imagem, provocando uma reflexão sobre a forma como abordamos e percebemos a imagem de nosso cliente. No artigo, o médico conta que ao receber uma jovem paciente, perguntou o que a incomodava e ela disse que não sabia, mas queria harmonizar seu rosto. Igualmente já ouvi de algumas clientes resposta parecida: “não sei o que quero, mas quero uma nova identidade visual”.

O consultor de imagem deve se preparar para o retorno do ‘olho no olho’

Os ‘quereres’ da era digital, por sinal, estão cada vez mais ancorados nas redes sociais, impregnadas por modelos de vida perfeita, rosto e corpo perfeitos, pele perfeita. Nós mesmos estamos tentados algumas vezes a considerar que nossa melhor versão é uma selfie com filtros, imagem ilusória de beleza que permite afinar o rosto, cobrir olheiras, eliminar marcas de expressão, refazer a silhueta do corpo, apagar celulites. Mas rostos e corpos, superfície de nosso trabalho, são de pessoas reais.

Na pós-pandemia, retornaremos aos encontros presenciais com os clientes e precisaremos cada vez mais de aprimorar nossa escuta, rechear nossa bagagem teórica na consultoria de imagem com práticas humanizadas, ampliando o repertório para muito além de propostas padronizadas. Isso, depois de uma temporada, que pode ainda ser relativamente longa, em que o home office, plataformas, talks e lives deram suporte às atividades profissionais como nunca ocorreu antes.

Retornar ao ‘olho no olho’ pode trazer, portanto, novos desafios e devemos nos preparar. Para isso, desenvolver nossa alteridade é fundamental, porque nos permite respeitar e conviver com quem é diferente de nós, sem querer modificar sua essência e valores. Alteridade, portanto, não tem a ver somente com a capacidade de aceitar costumes e culturas de outros povos, mas se estende ao outro, que pensa diferente de nós e pode ser o cliente que estamos atendendo.

“Não existe um padrão, um molde exato onde precisamos nos encaixar”

Instigada pelo alerta de um especialista médico dos riscos da padronização de rostos, fui atrás de outras reflexões e pontos de vista. Que grata surpresa constatar na conversa com Andrea Dorofeeff, médica e cirurgiã plástica mineira, idêntica preocupação com os “riscos de nos tornarmos bonecas, exibindo um mesmo e único tipo de rosto”.

Na entrevista ao blog, ela falou da importância de escutar o paciente, o que exige tempo e disponibilidade para ajudá-lo a identificar a própria beleza e valorizar seus traços, sempre singulares. Só dessa forma os procedimentos agregam um bem-estar autêntico e mais duradouro, utilizando a excelência das técnicas cirúrgicas, o que difere de alterar radicalmente os traços do rosto, seguindo um modelo padrão.

“Uma questão também muito importante para o cirurgião é conseguir que o paciente identifique a própria beleza, que é única. Então é conversar muito, ouvir muito, se interessar, humanizar a relação, entender a beleza da pessoa, ajudá-la a perceber os próprios traços”

ANDREA DOROFEEFF, CIRURGIÃ PLÁSTICA, AO BLOG

Trabalho com imagem é sobre gente, sempre sobre gente

E qual o aprendizado para os consultores de imagem com as reflexões da cirurgiã plástica Andrea Dorofeeff? Em sua fala, médica reforça alguns dos conceitos, princípios e valores que igualmente desenvolvi no atendimento aos clientes e nos cursos para colegas consultores: o trabalho com imagem é sobre gente, sempre sobre gente.

Os dois cirurgiões plástico falam da importância de se escutar o paciente para só então propor e planejar os procedimentos estéticos, o que traz a perspectiva da escuta e do autoconhecimento. Da mesma forma, sempre devemos nos perguntar. Afinal como utilizamos a técnica para ajudar nosso cliente? Não o conhecemos pelo que veste, pelo seu físico, mas pelo que ele nos conta e como se vê.

A escuta do cliente, base para uma consultoria de imagem autêntica, demanda tempo e dá trabalho, porque precisamos abdicar de nossos próprios modelos do que seria belo, funcional, teoricamente aplicável àquela pessoa, do corte de cabelo ao shape e cores de roupas. Quando conseguimos, e devemos nos esforçar para isso, o resultado é uma identidade visual onde o cliente se reconhece.

Ou seja, uma consultoria de imagem com propósito, que humaniza e transforma, sem ceder a demandas às vezes impiedosas do cliente com ele mesmo, quando subjugado pela cultura da padronização de uma imagem ideal, o que é extremamente tóxico e afeta a saúde mental.

O “sinistro universo digital da beleza” se expande nas plataformas

Padronização de rostos e corpos é tema também do jornalista, pesquisador e consultor Jorge Grimberg, um profissional incrível, que acompanho no Instagram, e semanalmente publica vídeos da série 3MDM – Três Minutos De Moda. Em “O Sinistro Universo Digital da Beleza”, ele alerta para o valor moralista que atribuímos aos ideais de beleza como sinônimo de felicidade, riqueza e sucesso. E que nos intoxicam, seja nos excessos de interferências estéticas padronizadas na vida real, seja nas interferências digitais.

Segundo Jorge, nas redes sociais e nas plataformas proliferam grupos e perfis que se dedicam a manipular imagens de rostos e corpos para que sejam aperfeiçoados. O goddesss. women, por exemplo, que tem 100 mil seguidores, transforma “maxilar, olhos e narizes de personalidades que vão de Lady Di a Selena Gomez”.

Em outros grupos das redes, de acesso restrito, embora públicos, até personalidades históricas como Frida Kahlo funcionam como substitutos dos desejos dos usuários dessas páginas – elas se tornam avatares, por meio dos quais os facetunes eliminam suas próprias inseguranças. A cultura da aparência e da beleza a qualquer custo, mesmo quando restrita a manipulações digitais, diz Grimberg no vídeo, leva ao adoecimento mental e físico. Por isso, ele afirma que cabe a cada um de nós questioná-las e refutá-las.

Por meu turno, considero que o que nos salva é a imperfeição e a incompletude, já que a beleza a todo custo não é garantia de felicidade, escravizando a pessoa a um ideal de perfeição inatingível. Tanto que os consultórios de psiquiatras e psicanalistas nunca estiveram tão cheios de pessoas aparentemente belas, bem sucedidas e com carreiras promissoras. A mesmo tempo tão angustiadas, perdidas, tristes ou entediadas.

No Brasil, 36% das pessoas usam filtros para postar fotografias em aplicativos de redes sociais e outras 36% já evitaram aparecer em uma foto ou interagir socialmente em função da aparência do corpo e do rosto

DADOS DA PESQUISA ALLERGAN 360° AESTHETICS REPORTOUVIU, 2019

Redes sociais são fonte de informação, mas também espelhos da ‘imagem ideal’

A pesquisa mundial ‘360° Aesthetics Report’, da farmacêutica Allergan, divulgada no ano passado, ouviu 14.500 pessoas com idade entre 21 e 75 anos, 611 delas do Brasil, e 1.300 médicos de dezoito países. Alguns dados corroboram a importância de se questionar a padronização de rostos e corpos exacerbada pelas redes sociais com o modelo de beleza ideal. Entre os brasileiros ouvidos no estudo, 46% usam ferramentas de busca da internet para pesquisar sobre beleza, 39% o fazem nas redes sociais e 19% têm os blogs como fonte de informação. Ao redor o mundo são 28% dos entrevistados.

As redes sociais atuam em duas direções, como fontes de informação e como espelho da imagem ideal. Quem recorre às plataformas digitais, revela o estudo, busca informações sobre injetáveis faciais, cuidados com a pele, tratamentos corporais e alterações no campo da cirurgia estética. No Brasil, entre aqueles que têm entre 21 e 35 anos de idade, 82% usam o Instagram como principal fonte de informação.

Esse dado revela a importância e a responsabilidade com nossas publicações na rede social quando focamos aparência e beleza, temas conectados ao trabalho do consultor de imagem. Nos cabe redobrar os cuidados para não aderir a uma cultura de beleza ideal e padronizada, assim como fazem a maioria dos médicos da área que estão preocupados com informações distorcidas e falsas sobre procedimentos estéticos.

As intervenções e correções estéticas, aqui e no mundo, são impulsionadas pelos millenials, de acordo com a pesquisa. Os nascidos entre 1981 e 1996 são as pessoas mais dispostas a tratamentos e cirurgias e muitos de nossos clientes fazem parte desta geração. A preocupação com a aparência já não é vista como mera frivolidade, o que é legítimo: quem não gostaria de se sentir melhor no próprio corpo e em paz com sua aparência?

Pesquisa Allergan 360° Aesthetics Report

  • 51% dos brasileiros concordam com a afirmação de que algo incomoda no corpo
  • 79% consideram que as motivações para intervenções cirúrgicas e estéticas são não estar tão bem como poderia ou ter ficado incomodado com alguma foto
  • 81% acham que a aparência contribui para o sucesso em todos os aspectos da vida. Em nível global são 69%
  • 73% dos brasileiros ouvidos gostariam de fazer um tratamento
  • 32% dos brasileiros consideram fazer um tratamento minimamente invasivo no rosto no período de um ano

Brasil é número 1 do mundo no ranking de cirurgias plásticas

Outros estudos reforçam os resultados da Allergan, e foram divulgados em dezembro do ano passado, pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS). No Brasil, em 2018, foram realizadas 1 milhão 498 mil cirurgias plásticas estéticas e mais de 968 mil procedimentos não cirúrgicos, ultrapassando os EUA, o que nos coloca como primeiro no ranking mundial.

O Brasil é referência mundial não só pela quantidade de procedimentos, mas também pela excelência e técnica de nossos profissionais, que em sua maioria identificam os traços naturais do paciente e as características próprias da pessoa para propor mudanças harmoniosas, individualizadas. Podemos constatar isso na entrevista com a cirurgia plástica mineira Andrea Dorofeeff, que publicamos aqui no blog.

“Considero que nosso papel é propor procedimentos que criem harmonia facial, atendendo as demandas do paciente e a singularidade de seus traços, mas sem impor ou estimular a escultura de um novo rosto”

ANDREA DOROFEEFF, CIRURGIÃ PLÁSTICA, AO BLOG

Volto à máxima de que nosso trabalho com imagem é sobre gente. Gente que busca mais satisfação com sua própria imagem, que quer se sentir bem e confortável com sua aparência, suas roupas, seu rosto, seu corpo. Ao mesclar aqui as reflexões dos dois cirurgiões plásticos sobre padronização de rostos, e do jornalista Jorge Guimberg alertando para os danos emocionais e psicológicos da cultura da perfeição replicada nas redes sociais, fica evidente a importância de nosso trabalho na consultoria de imagem.

Precisamos estar atentos para evitar em nós mesmos as armadilhas de padrões e fórmulas, escutando o cliente, respeitando suas singularidades e histórias de vida. Pessoas são únicas e o ideal de felicidade e bem estar do outro nem sempre nos serve.

LEIA MAIS

PARA ONDE VAMOS? BATE PAPO COM A CIRURGIÃO ANDREA DOROFEEFF

Miriam Lima

Miriam Lima

“Luto por um mundo mais justo e humano e ensinei isto a meus filhos. Determinação e persistência são características das quais me orgulho. Acredito que as mulheres são várias, mas também únicas, daí que dedico meu trabalho a cada uma delas e como todas nós algumas vezes ‘enlouqueço’ com as dinâmicas da vida. Escrever neste espaço sobre imagem pessoal, inconsciente, estilo, comportamento, humanidades me enche de alegria” PS – “LEVEI UMA VIDA PARA ME SENTIR BEM NA PRÓPRIA PELE”

Leave a Reply